segunda-feira, outubro 31, 2005

Do diário # 4

O peso da noitada faz-me flutuar nas horas. Um desvão de imprecisões que a chuva e o café adensam. Rasgões por entre conversas. Distanciamento das observações. E o que me apeteceu pegar na caneta e no meu Moleskine e, tal como nos traços, num despreocupado olhar reter o momento e a análise das pessoas. Tantos esteriótipos! Tantas reacções ocultando ou desfazendo as máscaras! Tantas palavras há muito estudadas! E, súbito, o encontro de outro olhar desconhecido onde se reconhece o traço comum de quem, tal como eu, bem situado se dedica ao estudo da vida a descoberto. Também, ainda, no meio do fictício se encontram os gestos simples e as palavras daqueles que gostam e sabem conversar. E olhar. E sentir os cheiros e a efervescência da terra na sua pureza original.

São gratas as horas quando se encontram sintonias. Quando é de tolerância o sorriso com que se encara a farsa, as hormonas e os gestos cansativos de quem apenas vê as horas passar por si.

Gosto dos espaços largos do Monte da Inveja que Estremoz , ao fundo, delimita.


30 de Outubro de 2005



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domingo, outubro 30, 2005

Alentejanando


Por aqui a poucos quilómetros de Estremoz cheirando a terra molhada e a liberdade dos espaços abertos.





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sábado, outubro 29, 2005

Diurnos # 11


Bebericando de fonte em fonte pelas frestas de cada pingo de chuva

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sexta-feira, outubro 28, 2005

Amarragens # 18


Neste outro blog da Isabel.

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Citando # 146


Be the work good or bad, we cannot tell what may be said of it, nor how far its result may spread.


Tibetan Proverb



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quinta-feira, outubro 27, 2005

Do diário # 3




Uma ténue linha mantém à tona a sanidade – subúrbios de respiração.

Lx, 19 de Outubro de 2005



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quarta-feira, outubro 26, 2005

Nos poros das incertezas


Não te disse das horas
porque no amor não há tempo
só o instante ecoa
desmesuradas são as horas
como da gravidade a ausência
e o declínio do olhar
apascenta a vigília

renascerão na alba as palavras
e o tempo

por agora
devoramos o hoje nos poros das incertezas.


Ericeira, 22 de Outubro de 2005



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terça-feira, outubro 25, 2005

Do diário # 2




não são palavras são farrapos que criámos na torre da tua casa na aldeia. aquela, tinha ameias. eras o senhor feudal do jardim e de mim. pequenos sinais desencontrados pela ventania. vendavais onde dissimulávamos as palavras descaídas. nos ritmos dos dias longos. na cadência do teu olhar. no mar com que sonhava e que não avistávamos da torre de menagem. nos desequilíbrios pressentidos. na imensidão. nos farrapos do sentir que hoje as palavras recolhem.

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segunda-feira, outubro 24, 2005

Das marés


só a mão marcando o ritmo
na cobertura da névoa
acompanhava-te o sol
e o meu olhar ancorado
na solidez do mar
que a tua presença revolvia
na eterna cadência
das marés

não eram de areia os sentimentos.


Ericera, 7 de Outubro de 2005



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sábado, outubro 22, 2005

Citando # 145


O poeta é um ser que lambe as palavras e depois se alucina.

Manoel de Barros



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sexta-feira, outubro 21, 2005

Do caderno de capa preta # 1





- Ganhei a sorte grande!

- Tás a gozar!

- Verdade, estou feliz; feliz como não o estava há muito tempo.

- Sortudo!

- Podes crer.

- E quanto, pode saber-se?

- Quanto o quê?

- Tás parvo! quanto ganhaste?

- A sorte grande!

- Isso já eu sei, se não queres dizer, tudo bem, eu compreendo, mas não estejas com evasivas. Não te aflijas que não te vou pedir dinheiro.

- Quem estás parva és tu, de que estás a falar?

- Subiu-te a sorte grande à cabeça ou estás com febre?

- Febre?!...

- Deixa-te de desconversar, quanto ganhaste? em metal sonante, em euros?

- Metal sonante, euros? Mas eu não te falei disso.

- Não, então o que é para ti a sorte grande?

- A minha dona ter-me ido buscar ao armário, acariciar-me e começar a escrever, com a sua letra miudinha e perfeita, o seu diário. Estava para ali atirado há anos e finalmente vou estar ocupado e andar com ela para todo o lado. E não foi o impulso de um só dia, já leva uma semana; não é isto a sorte grande?



Lisboa, 18 de Outubro de 2005



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quinta-feira, outubro 20, 2005

Sem título


Quando o personagem despe a máscara
sobra o espelho duplicado
incisões de olhares na palidez dos dias

são estes os rostos
outra pele.


Lisboa, Outubro de 2005



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quarta-feira, outubro 19, 2005

Sem título


o infinito não tem acréscimos
nem limites
só a insuportável exaustão do inatingível.


Ericeira, 4 de Outubro de 2005



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terça-feira, outubro 18, 2005

Como eu gostaria de ter estes diários



Delacroix


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segunda-feira, outubro 17, 2005

Anoitecidos


Para cá da portada ainda o ruído do mar ecoando encosta acima. Gemem os deuses ou os monstros. E a sombra do inverno desassombra em nós os medos. Ruídos, a ânsia e o frio que ainda se não percebe se é de humidade ou já engrossa presságios.

Ecoa o mar nas rochas e eu acolho-me à ténue linha que me conduz de equinócio a solstício por entre essas quatro estações perdidas. Quimeras que envolvo no algodão de nuvens que a lua acentua.


Ericeira, 15 de Outubro de 2005



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sábado, outubro 15, 2005

O pano e a mesa


Este já andou pela antiga Linha de Cabotagem mas apeteceu-me repô-lo.


está esgaçado o pano que cobre a mesa
fruto do tempo e das mãos
e antes que todos cheguem
numa breve pausa
reconstruo cenas parecidas com esta
onde se fidelizou este pano e esta mesa
que me chegaram de casa dos meus avós
e, se calhar, tal como o Gama,
andaram pelo Oriente
ornando as recepções da então jovem
com que dizem que me pareço
olho-a ali no retrato grande
com saia até aos pés e chapéu
brincando com meu pai vestido de marujo
talvez também a mesa servisse de apoio
aos charutos de meu avô
nessa Póvoa do Varzim distante
onde o mar enraizou nossa sina;
mais tarde em Campo de Ourique
foram acarinhados por outra jovem
loira e bela
com o tom dos países nórdicos
ornada por um sorriso e alegria contagiantes
minha mãe que os deuses adoraram
e por isso mataram cedo;
num passado próximo mesa e pano
apoiaram as festas da jovem que eu fui
e que os pais mimoseavam
na ternura do amor
no vínculo do mar;
hoje, no buraco negro da ausência,
acarinho as lembranças
e desdobro as emoções
na alvura do pano
que agasalha a mesa antiga.


Lx, 11 de Maio de 2002



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sexta-feira, outubro 14, 2005

Diurnos # 10


Estão gastas as pedras. As pedras destas ruas que palmilho há longos anos. Com os passos traquinas da criança. Os passos apressados da adolescente na febre de ser e viver. Nos passos calmos de hoje enquanto observo os locais, as transformações e absorvo as palavras que, à toa, vão tomando corpo.

A calçada continua desamparada na posição anárquica das suas pedras e em mim, em contrastes, enfileiram-se os acontecimentos que o tempo sedimentou. Sem amarguras, nem rancores. Apenas olhando as horas de que sou feita.


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quinta-feira, outubro 13, 2005

Citando # 144


Quanto mais difente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade.

Fernando Pessoa



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Citando # 143


La société de masse ne veut pas la culture mais les loisirs.

Hannah Arendt



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Citando # 142


L'âme n'aurait pas d'arc-en-ciel, si les yeux n'avaient pas de larmes.

John Vance Cheney



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quarta-feira, outubro 12, 2005

Sem título


perdem-se os instantes no tempo
e as mãos no teu cabelo
equilíbrios sinuosos!


2005



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segunda-feira, outubro 10, 2005

Do olhar interior


do desencanto já nem sobram as sombras
só a linha contínua de um electrocardiograma
feridas sem destaque escondidas algures
limites sem contornos nem vedações
apenas, ampliando a secura, o grito
e o deserto perdido nas dunas

nem sopro, nem sombra
só um arfar que não sei se de raiva se de tédio.



2005



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domingo, outubro 09, 2005

Amarragens # 17


Entre imagem e texto difícil a escolha. Post perfeito. Aqui.

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Recordando


Foram momentos raros de silêncio interior apesar de haver muita gente - uma sinfonia de azul e branco e, pensando em Miguel Torga, o saber que eu é que me tinha ido ali mostrar.




glaciar de Briksdal - Noruega


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sábado, outubro 08, 2005

No dia de reflexão


De câmara em câmara até à antecâmara do Inferno.

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sexta-feira, outubro 07, 2005

Diurnos # 9


Raramente a casa é minha em toda a sua plenitude. Hoje, convidados apenas o sol que entra a jorros pela casa de janelas escancaradas, a maresia que o mar me oferece e este silêncio que me devolve a mim mesma, agarro-me a estes momentos como se deles tudo dependesse.

Quando sonho com estes momentos, só meus, penso sempre nas mil e uma coisas que há a fazer e, depois, com a indiferença dos felizes, esqueço tudo o que programei e deixo que esta idleness me acolha e fomente em mim momentos que, por tão curtos, são amplamente degustados como um precioso néctar dos tempos de antanho.

Olho a neblina, o sol e os poucos verdes, mais castanhos, e deixo que para lá do olhar fique a imensidão que me invade, a ternura do mar e este infinito que nada perturba.

Dentro de mim os passos aproximam-me e sedimentam o gozo da vivência e a transparência de me entregar aos minutos que deslizam sem saberem de relógios ou de horários. Intemporal sinto-me vogando acima da bruma.


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quinta-feira, outubro 06, 2005

Pssst, psst


ora clique lá aqui também tem palavras além de ter traços.

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quarta-feira, outubro 05, 2005

Parabéns, amiga



fall leaves




Para não desafinar cantando-lhe os parabéns prefiro deixar aqui estas palavras de Jacques Brel e enquanto elas a ler ouvirá no seu consciente a música.


Quand on n'a que l'amour


Quand on n'a que l'amour
A s'offrir en partage
Au jour du grand voyage
Qu'est notre grand amour

Quand on n'a que l'amour
Mon amour toi et moi
Pour qu'éclatent de joie
Chaque heure et chaque jour

Quand on n'a que l'amour
Pour vivre nos promesses
Sans nulle autre richesse
Que d'y croire toujours

Quand on n'a que l'amour
Pour meubler de merveilles
Et couvrir de soleil
La laideur des faubourgs

Quand on n'a que l'amour
Pour unique raison
Pour unique chanson
Et unique secours

Quand on n'a que l'amour
Pour habiller matin
Pauvres et malandrins
De manteaux de velours

Quand on n'a que l'amour
A offrir en prière
Pour les maux de la terre
En simple troubadour

Quand on n'a que l'amour
A offrir à ceux-là
Dont l'unique combat
Est de chercher le jour

Quand on n'a que l'amour
Pour tracer un chemin
Et forcer le destin
A chaque carrefour

Quand on n'a que l'amour
Pour parler aux canons
Et rien qu'une chanson
Pour convaincre un tambour

Alors sans avoir rien
Que la force d'aimer
Nous aurons dans nos mains,
Amis le monde entier


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terça-feira, outubro 04, 2005

Momentos de criação


e as palavras giravam
um... um dois... e pá...
pá... pá pá... e tac...
e a melodia da alma
trazia-me o sincopado
dum longínquo bailado
os verbos dançando dum lado
os substantivos gesticulando do outro
e no entrançado do ritmo
a rotação das ideias
- um bailado de Maurice Béjart?
tão só a marcação geométrica
da verbalização do poema.


Lx, 14 de Setº 2000



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segunda-feira, outubro 03, 2005

Anoitecidos


Insone é a noite e os riscos da caneta no papel, sons que martelam o silêncio e o espaço das perguntas sem resposta. Para lá da janela o frio já acolhe a madrugada e desdobra em ondas o mar que, finalmente, se lembrou do equinócio. A humidade congrega esta liquidez e escorre em mim a densidade da noite e a insónia das palavras por escrever.

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sábado, outubro 01, 2005

Dos momentos


As dálias na jarra sobre a mesa
do jardim
o pão barrado de compota de amoras
acabada de fazer
o regador virado
junto do canteiro
a criança dizendo adeus ao mar

estáticos instantes de infinito.


Ericeira, 21 de Setembro de 2005



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