segunda-feira, março 31, 2008

Devorando insanidades


Um labirinto sem limites
uma Ariadne surrealista
um fio sem pontas

outro mito
sem valor acrescentado.


HFM - Lisboa, 10 de Março de 2008



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sexta-feira, março 28, 2008

Repentistamente





entre verdes e um céu plúmbeo
o olhar decompunha o cansaço
como num caleidoscópio
era ainda a mesma paz
um certo spleen
sempre um sereno encontro
na convulsão do tempo


e o frio enrigecendo
as dúvidas.


HFM - Kew Gardens, 23 de Fevereiro de 2008



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quarta-feira, março 26, 2008

Reticências


quando
desfocada de mim
me atrevo no infinito.


HFM - Lisboa, 26 de Março de 2008



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terça-feira, março 25, 2008

Sem título


no imenso breve
a cor

plenitude de ausência


HFM - Lisboa, 25 de Março de 2007



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segunda-feira, março 24, 2008

Do diário


Há momentos em que as palavras se impõem. A caneta, não. Embirro solenemente quando a caneta começa por não escrever. Quando tenho de fazer força, ou quando tenho de riscar outros papéis. A escrita, melhor, a ideia, não se compadece com hiatos, com compassos de espera. As palavras já agitam a mão e já se encontram em fila, mesmo quando as desconheço. Todos os gestos inúteis as adiam, as interrompem, as fazem gaguejar. E aqui, na imensidão desta cidade, não há tempo e todos os minutos os tenho de aproveitar.

É ainda no início da manhã que a palavra me surge pura, despida de rodeios e de gorduras. É quando canta, na melodia única do que ainda não sei que vou escrever. Límpida como a energia matutina que tudo quer aproveitar. Límpida na distância que vai da adolescente que aqui viveu à mulher que hoje a demanda. A vontade de me espantar, o espanto do conhecimento, não diminuiu. Apenas o tempo e a sua relatividade se alteraram de uma forma dramática.

Fecho as palavras, deixo-as aboborar, a “mijoter” e parto para a cruzada da descoberta onde me incluo.



HFM - Londres, 14. 02.08



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quarta-feira, março 19, 2008

Sem título


não há cópias destes troncos
expostos ao sol
e os verdes são uma orquestra
em harmonia
na força telúrica
de todas as fontes.


HFM - A caminho do Alandroal, 9 de Março de 2008



Boa Páscoa e até para a semana.

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segunda-feira, março 17, 2008

Da vida


Quase um cadáver em pé. Muito bem vestida. Uma bengala cujo cano estava incrustado de pequenas flores. Um barrete de crochet aconchegava-lhe o ralo cabelo, um casaco de pele bege, calças a condizer e, nos pés, uns ténis. Muito digna. Passo incerto e cansado. Rugas, muitas rugas e, contudo, um ar fresco. Uma voz gutural e cansada comentando as miniaturas em mármore que viu como eu já não consegui ver. Sempre a sorrir, um sorriso que lhe pontuava o olhar ainda belo.

Não sei quanto tempo irá viver; creio, contudo, que sempre terá vivido assim, com força, com garra, aproveitando cada minuto de vida. Um ensinamento!

Poderia ter sido uma actriz, uma pintora ou uma cientista.

Que conto não daria!


HFM - Londres, Courtauld Gallery, 18 de Fevereiro de 2008



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sábado, março 15, 2008

Henry Moore em Kew Gardens



















Este último não é de Henry Moore. Infelizmente perdi o nome do autor mas é a homenagem a dois amigos, entretanto, desaparecidos.

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quinta-feira, março 13, 2008

Sem título





levo nos olhos o sopro do vento
e as árvores beijando este curso de água
atravessando St. James’ Park
levo ainda a irrequieta ironia dos esquilos
e a dança das daffodils
no vento de todas as superfícies.


começo a despedir-me de Londres
quando um toque de nostalgia
percorre o frio e o vento


prenúncio da chuva que se me aconchega.


HFM - Londres, 22 de Fevereiro de 2008



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terça-feira, março 11, 2008

Londres - exposição First Emperor and his China's terracotta army


Esta foi outra das grandes exposições que vi em Londres.

Algumas poucas e bem expostas figuras e outros artefactos do imenso exército que durante mais de dois mil anos esteve enterrado e que, felizmente, foi descoberto em 1974. Obra imensa congeminada por um homem que julgava ser eterno - o Primeiro Imperador da China Qin (leia-se Chin) Shihuangdi's.

Gostei da boa organização do espaço, da luz e sobretudo dos guerreiros de terracota, da escultura dos seus penteados (não há dois iguais) e de algumas arrojadas posições em que alguns estão e ainda de preciosos detalhes e de alguns artefactos.

Valeu bem as 12 libras e a espera de quase 3h para arranjar os bilhetes do dia, já que tudo o mais estava esgotado. Consegui estar lá dentro muito tempo o que deu para ver bem as figuras, os vídeos, a envolvência e ainda para fazer alguns esboços que podem ser vistos aqui.

É impossível mostrar o que por lá vi mas deixo algumas fotografias do catálogo.













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segunda-feira, março 10, 2008

Da amizade





Do meu amigo Eduardo Graça recebi o seu livro com uma dedicatória comovente. Dele deixo dois poemas que, apesar da década de 80, são de sempre.


Não omito

Não omito nada do meu gostar
nem o sobressalto de descobrir um dia
que não queria nada do que quis.
Ofereço o tempo futuro todo
à descoberta da arte de transformar
amando o desconhecido ou quase que é
afinal o que é amar.

24/2/1981


O que eu queria

O que eu queria não posso pedir que me escapa
a sem razão de o não obter, o que eu queria era
num dia assim aberto um olhar liso e claro
na direcção do meu sorriso que espera longo.
Aguento, aguento-o dia após dia, abro e fecho
a mão, agarro o que eu queria um momento
mas no outro se me cava a ruga fundo no meio
da testa e se me enche o fundo da pele de suor.
O que eu queria não o posso dizer senão talvez
a alguém que és tu que já o sabes melhor
do que eu quando digo que não falo mais nisso.
O que eu queria me desses naquele dia maduro
era um sorriso que se fixasse para sempre
no rosto que é o resto que eu tinha posto de fé
na vida para além de mim e do que eu queria.

22/9/81


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sexta-feira, março 07, 2008

Num banco ao frio


Se te descrevesse a cena
num repente impressionista
dir-te-ia que para lá do rio
passa um comboio
de cores modernas e brilhantes
por entre casas vitorianas
e modernos blocos de apartamentos
o rio vai cinzento
brilhando com este sol pálido
que tem acarinhado a estadia
sobre o rio caiem
braços de árvores com esferas
a que, como sempre, desconheço o nome
mas já lhes desenhei a caligrafia
atrás de mim sei a Tate Britain
não a vejo
aguardo-lhe a abertura
e espero, então,
nas Clore Galleries
esquecer toda a cidade
as preocupações os medos
os espasmos da vida
e isolada no meu interior
prosseguir um diálogo improvável
com a luminosidade de Turner
da sua pincelada
e com ele retalhar o essencial
abordar o pormenor
esbater os contornos
afagar a refracção da luz
e depois num jeito aparentemente simples
tudo compor num todo
sem limites nem fantasias.

assim te falo desta cidade
e dos passos por acabar
onde sempre tropeço na exausta ânsia
do intante.


HFM - Londres, 21 de Fevereiro de 2008



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quarta-feira, março 05, 2008

Visitas exóticas


Sempre que podia era visita habitual. Ele estava velho e já não saía de casa e ela sempre que ia à sua cidade procurava visitá-lo. Felizmente morava num sítio central para aquela metrópole. Nesta estadia já era a 4ª vez que o visitava. Entre outras coisas gostava da entrada da casa, menos do peso da porta, da escadaria e da imitação de mosaicos romanos formando uma série de painéis que ela evitava pisar. Gostava ainda da velha madeira que lhe forrava a sala onde o encontrava. Sentava-se num pequeno banco, sem costas, mesmo na sua frente. Olhava-o demoradamente e em silêncio. Depois, reverentemente, cumprimentava-o, sempre de uma forma coloquial:

- Olá, Leonardo, here I am!

Obviamente era ela que se tinha de apresentar, ele não precisava de apresentações muito menos o seu cartoon, como por aqui lhe chamam, ao esboço da Virgem, Santa Ana e o Menino.

Quando saia, antes de lhe virar as costas, dizia com nostalgia:

- Com licença. Até breve.


HFM - Londres, Fevereiro 2008




National Gallery, Londres


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segunda-feira, março 03, 2008

Londres - exposições




Uma das duas grandes exposições que vi em Londres. Esta na Royal Academy of Arts em Picadilly Street.

From Russia - French and Russian Master Paintings 1870-1925 from Moscow and St. Petersburg - 26 January - 18 April.

O que destacar? Poderia aqui escrever um rol de nomes desde os russos Repin, Tatlin, Goncharova a franceses como Cézanne, Matisse, Monet, Picasso, Bracque e tantos, tantos outros.

No meu olhar ficaram especialmente os quadros que se seguem. Os de Matisse particularmente porque eram dois dos meus preferidos e, sabendo-os na Rússia, nunca pensei vê-los, pelo menos com o tempo de os poder fruir, analisar e gravá-los na memória do olhar. De Natay Altman o retrato de Anna Akhmatova - para além da sua beleza especialmente pela cor que se destacava e ofuscava todos os outros. Obviamente os meus olhos também procuraram habituar-se aos quadrados e círculos de Malevitch que, até aqui, só conhecia de livros. Para continuar as minhas impressões este post teria de ser dividido em numerosas selecções e é impossível transmitir a cor verdadeira que o artista criou e que nenhuma lente pode destruir.

Deixo apenas a pequena nota que escrevi no meu diário - Só o privilégio da visita a esta exposição justificava a vinda a Londres. Saí bêbeda de cor e com os olhos cansados de não saberem o que escolher, o que reter, o que compor.



Matisse, The Red Room, oil on canvas, 2180 x 220cm, The Hermitage, St. Petersburg


Matisse, Dance II, oil on canvas, 260 x391cm, The Hermitage, St. Petersburg, 1908




Natay Altman, Portrait of Anna Akhmatova, 1915, oil on canvas, 123,5 x 103,2, The State Russian Museum, St. Petersburg



Um poema de Anna Akhmátova

Foi terrível viver naquela casa.
Nem a rutilância patriarcal
da lareira, nem o berço do meu filho,
nem o sermos jovens, nem o segredo
de tantos projectos, nem o vinho,
nos podia amainar aquele medo.
Assim, aprendi a brincar com ele
e deixava a minha gota de vinho,
meus pedacinhos de pão, para aquele
que arranhava à porta pelas noites
como um cão, espreitava pela janela
baixa, e nós tentávamos não ver
o que se passava atrás dos espelhos,
que passos de chumbo faziam gemer,
como clemência implorada,
aqueles degraus escuros e velhos.
Dizias, na cara o sorrir dorido:
"A quem levam eles pela escada?"

Diz - agora estás lá onde tudo se sabe -:
Que mais viveu, além de nós, naquela casa?

In Rosa do Mundo
Tradução de: Nina Guerra e Filipe Guerra




Já agora uma pequena história que quase parece uma anedota e que se passou durante o meu percurso pela exposição. Em frente ao quadro




de Chagall estava um grupo de alunos em visita de estudo e um senhor ia fazendo várias perguntas a que os miúdos, disciplinadamente, pondo o dedo no ar, iam dando as suas respostas. À pergunta:

- Porque está a senhora a voar? - entre várias respostas ouvi esta preciosidade

- Porque é a Mary Poppins!

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sábado, março 01, 2008

Quase um haikai


de cá para lá
soltam-se os acordes
aquecendo a noite fria


HFM - Londres, 16 de Fevº de 2008




Nota: escrito enquanto ouvia um concerto em St. Martin's in Field - Bach, Handel e Vivaldi.

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