sexta-feira, junho 29, 2007

Divagando





e se não houvesse chão para os passos? os caminhos seriam de vento e na poeira do instante as viagens das palavras aportariam em nenhures. Suspensas as pernas, quais paraquedas, insuflariam no desconhecido todas as vontades.

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quinta-feira, junho 28, 2007

Lendo - O Fulgor da Luz - conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes de Anne Philipe





Vieira da Silva - Queria dizer uma coisa. Fazem-nos muitas vezes esta pergunta: "Como é que se pinta?" E eu não sei se estão a pensar na técnica, se no ofício. Porque uma técnica como a da gravura, podia eu explicá-la mesmo não sendo uma boa gravadora. Sou capaz de explicar como se faz uma água-forte, um buril, uma ponta-seca, uma litografia, um vitral, tudo isso posso eu torná-lo inteligível, com a consciência de não fugir demasiado à verdade. Mas fazer pintura é uma coisa totalmente diferente, porque o ofício e a técnica estão aí intimamente ligados. É um dos ofícios mais antigos, pois já o homem das cavernas o praticava. O impressionismo fê-lo eclodir, e desde então o ofício de pintor tornou-se diferente do que até aí fora. Mas uma coisa não mudou: um pintor que não sabe pintar fará um mau quadro, mesmo que o assunto e a intenção sejam bons, porque a ideia e o ofício são inseparáveis. Pode ir-se muito longe, mesmo, sem se ser um grande pintor, basta ter trabalhado durante muitos anos e haver adquirido uma certa ciência. E isto aplica-se a todos os pintores como eu e o Arpad, que toda a vida trabalhámos duramente. Tornamo-nos sabedores e esse saber adquirido é difícil de ser dito e explicado. É como se eu quisesse aprender composição musical para compreender os músicos ou a música. Mas os compositores atingiram uma mestria tal, que nós somos incapazes de acompanhá-los, mesmo possuindo uns rudimentos de composição. Boulez, que é músico muito sabedor, pode, se clhar aprender imediatamente qualquer partitura, mas eu, que sou apenas amadora, não posso.


[...]


Arpad - Curiosamente, ambos compreendemos muito melhor a Escola de Paris depois de termos descoberto a Itália. Fomos dar com a nascente, com o sítio indiscutível, se quiseres. Quando éramos jovens, até aos vinte anos, um pintor estudava do natural. É preciso ver que aos quinse ou dezasseios anos se perde a pureza, a ingenuidade, a capacidade de admiração.

Anne Philipe - A que atribuis tu essa regressão?

Arpad - A várias causas: ao ensino que atrofia, que é demasiado conformista, ou demasiado abstracto, e que separa o adolescente da poesia; à sexualidade que nos assedia nessa altura da vida, e a outros factores fisiológicos. Mas seja como for, e maus grado tais provações, há que continuar, que perseverar. É um processo inevitável e muito doloroso.

[...]

Tradução de Luiza Neto Jorge

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quarta-feira, junho 27, 2007

Sem título


o rasto. o indício. a escarpa da memória.
vento assobiando interrogações

lavram-se amnésias.


HFM - Lisboa, 20 de Junho de 2007



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segunda-feira, junho 25, 2007

NÃO ME LEIAS


Na Rua Anchieta, comprara o livro por duas razões: o título – NÃO ME LEIAS e a cuidada assinatura nas duas primeiras páginas – ANA CATARINA LACERDA, a mesma da autora do livro.

Nunca tinha ouvido falar de ANA CATARINA LACERDA mas o título era, para mim, uma trouvaille e chegava para justificar os 1,5 euros que por ele me tinham pedido. Os poemas não eram a minha área mas aquela caligrafia cuidada, inclinada sobre a direita mas nada tendo da antiga letra inglesa, suscitara-me a curiosidade e, ao arrepio de mim próprio, sentira necessidade de conhecer aquela enigmática ANA CATARINA LACERDA. A tal que apunha o seu nome, como tantos de nós fazemos nos livros que compramos; mas aquele não era um livro qualquer, era o seu próprio livro de poemas em edição de autor.

Interessou-me logo esta mulher que autora se queria leitora, que leitora não se identificava com a autora.

Que rios de palavras afastariam estas duas metades? Qual a mulher? Qual a poetisa? Qual a leitora?

Via-a nas noites quentes sentada, devorando o ritmo na palavra, encantando-se na melodia das técnicas, percorrendo a noite na companhia que autora e leitora se faziam mutuamente.

Pressentia ainda que aquela ANA CATARIANA LACERDA, a da letra miúda ligeiramente inclinada e perfeita, deveria ser a maior crítica que alguma vez tivera a outra ANA CATARINA LACERDA.

Li o livro de enfiada e, não sendo leitor assíduo de poesia houve, contudo, uma coisa que seguramente podia afirmar – NÃO ME LEIAS fora o nome que a leitora emprestara à autora quando esta, num dia de loucura, lhe tinha passado para as mãos as páginas manuscritas do futuro livro e ingenuamente pedira uma opinião.


HFM - Lisboa, 23 de Novembro de 2007



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domingo, junho 24, 2007

Citando # 173


A minha vida passa-se entre flutuações agradáveis, entre projectos de amor - às vezes consumados -.

A minha obra passa-se no meu pensamento.

E talvez seja isto o que está certo.

A minha obra é, pois, como a do fazedor de ânforas de que já falei. Dá origem a interpretações diferentes.

E a minha vida amorosa manifesta-se - só obscura para os ignorantes -. Se a manifestasse de forma explícita, talvez não houvesse um campo artístico com dimensão bastante para eu me mexer, para me satisfazer.

Trabalho como os Antigos. Escreviam história, faziam filosofia, dramas trágico-mitológicos, e tantos eram vítimas do amor, exactamente como eu.

(20-06-1910)


Kavafis, Páginas Íntimas, Hiena Editora



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sexta-feira, junho 22, 2007

Introspecção


Convoco-te, dualidade,
por entre os labirintos da noite
face a face
deslocaremos as peças
deste xadrez sem futuro
de balizas temporais

díptico de extremos exangues.

Convoco-te, dualidade,
na planura do tempo
a alba se cumprirá.



HFM - Lisboa, 22 de Junho de 2007



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quinta-feira, junho 21, 2007





No Convento de Cristo em Tomar



Percorrendo-me

Do silêncio queria o espaço
o inatingível
e a pedra esfiapada
de tantos renascimentos

um pouco de água também
e o frio do asceta
caminho de peregrinos

Dos Templários
as figuras recriando-se na chuva

e da minha ignorância – a certeza.


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quarta-feira, junho 20, 2007

LE MYSTÈRE PICASSO




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terça-feira, junho 19, 2007

Sem título


por detrás da coluna
o murmúrio

alonga-se o desconhecido.


HFM - Lisboa, 14 de Junho de 2007



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segunda-feira, junho 18, 2007

Diurnos


O verde. Melhor, todos os verdes dominavam. Até no lago os nenúfares se elevavam como numa promessa de cântico em uníssono. Os edifícios da Fundação enquadravam-se no verde como se deles fossem parte mimética. Até o silêncio se comprimia para obrigar os bambus à calma que o vento permitia. A serenidade feita dia. Ou o tempo da reflexão. Ou de estudo como naquela roda de estudantes no Sítio da Oliveira.

Eu aguarelava e fundia-me nos verdes que nenhuma cor cumprirá. E a serenidade fundia-se em mim e, nestes compassos, cheguei a duvidar da pacificação... onde estaria a minha identidade? que calma era aquela? vida? sonho? ou o momento em que do turbilhão remanesce a prioridade dos dias?

O verde. Os verdes. A água. O bambu. O milimétrico desenho de um jardim onde a cidade se esconde.

Nem as palavras querem ter espaço. Pairam sobre os nenúfares, os tais que a aguarela recusou a cobrir.

Dos verdes resta a aguada, o silêncio e este haiku existencial.


Lisboa, 12 de Junho de 2007



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domingo, junho 17, 2007

Viagens na minha terra


Arcos. Muralha. Charola. Míticos labirintos de arquitectura. Som do silêncio dos claustros alastrando a luz que nenhuma chuva consegue apagar. E por entre colunas, pilastras, portas, janelas escorrem as histórias a que os desvãos me conduzem. Uma fílmica sucessão conduzindo a nenhures. Da História a perenidade da pedra e o eco que se apega à pele - slow-motion de infindáveis capitéis onde recrio histórias que os verdes secam e a chuva encolhe.

Tomar e o seu convento - medievos sinais iniciáticos!



















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sexta-feira, junho 15, 2007

Citando # 172


... por enquanto, se as borboletas não pousarem no meu poema, estarei simplesmente amarrado ao pesado facto de ainda não o ter escrito mas

um poema é como uma pessoa - há-de aparecer quando for a hora de poder permanecer.


ONDJAKI, Carta de Solothurn



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terça-feira, junho 12, 2007

Do diário


Na varanda só o vento despertando o silêncio e as sombras. A luz dos candeeiros alumia o vazio no sono da cidade. Só o firmamento se atreve numa cantata insone. Do silêncio a possibilidade de colher da cidade o seu tutano – uma difusa impressão de um filme de Visconti.


Lisboa, 11 de Junho de 2007

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+ de 100 000 visitas


a partir de ontem ao fim da tarde. E eu que não sou de festejos, nem de aniversários, não consegui deixar passar esta contagem em branco.

A todos que para isso contribuiram deixo o video e a letra com um abraço agradecido.






L'amitié

Text: Jean-Max Rivière
Musik: Gérard Bourgeois
1965

Beaucoup de mes amis sont venus des nuages
Avec soleil et pluie comme simples bagages
Ils ont fait la saison des amitiés sincères
La plus belle saison des quatre de la terre

Ils ont cette douceur des plus beaux paysages
Et la fidélité des oiseaux de passage
Dans leur coeur est gravée une infinie tendresse
Mais parfois dans leurs yeux se glisse la tristesse

Alors, ils viennent se chauffer chez moi
Et toi aussi tu viendras

Tu pourras repartir au fin fond des nuages
Et de nouveau sourire à bien d'autres visages
Donner autour de toi un peu de ta tendresse
Lorsqu'un un autre voudra te cacher sa tristesse

Comme l'on ne sait pas ce que la vie nous donne
Il se peut qu'à mon tour je ne sois plus personne
S'il me reste un ami qui vraiment me comprenne
J'oublierai à la fois mes larmes et mes peines

Alors, peut-être je viendrai chez toi
Chauffer mon coeur à ton bois



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segunda-feira, junho 11, 2007

Sem título


quando a sombra não se vê
cerra-se nas pilastras o canto

das horas ausentam-se os segundos.


Ericeira, 7 de Junho de 2007



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sexta-feira, junho 08, 2007

Catarse


A dor da solidão das palavras
devora-me em silêncio.


Apesar de tudo escrevo-as.


Sei que lentamente
quase em ausência
afastava-me delas
libertava-as
depurava-as
cedia-lhes a escolha
punha-as à bulha
sem freios nem ambiguidades
desfocava-as, ainda,
para que
feitas outras
partissem
num voo sem rumo
então
talvez um dia
em dualidade
nos encontrássemos noutro acaso da vida.


Ericeira, 6 de Junho de 2007



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quarta-feira, junho 06, 2007

Inside Gustav Klimt




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segunda-feira, junho 04, 2007

Sem título




são ramos estendidos
quais dedos
afagando a eternidade.


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sábado, junho 02, 2007

Sem título


só o silvo atravessa a noite
rasteiro

e não inquieta o silêncio.


HFM - Maio 07



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