sábado, abril 30, 2005

Da realidade e do sonho


Há muito tempo que não passava pela casa. Encontrei-a cada vez mais degradada. Arrepiava a alma. Estava ali a incúria de um país que não sabia preservar a sua cultura.

Olhei a lápide e, de repente, os meus olhos desviaram-se para as duas janelas abertas. Devia ser de propósito – aumentaria a degradação e depois, quando a casa ruísse, todos os ínvios objectivos seriam alcançados. Olhando melhor toda a fachada, reparei que a porta, apesar de fechada, tinha a grossa corrente caída. Atravessei a estreita rua e empurrei-a. Guinchou mas foi-se abrindo. A medo meti a cabeça e, lentamente, não fosse alguma tábua ceder, fui entrando. O interior estava soturno e tétrico. Parei; tinha ouvido um ruído. Dei um passo atrás e abri um pouco mais a porta. Tentei descortinar para além das sombras mas pouco via. Nisto, não tive dúvidas, ouvi passos descendo as escadas. Era a hora em que o sol se encontrava a pique, a porta estava aberta, por detrás de mim a Rua Saraiva de Carvalho e os passos de alguns transeuntes. Não via ninguém no meio daquela penumbra mas, de vez em quando, os passos aproximavam-se. Tive medo e retrocedi pronta a sair. Nisto, ouvi num murmúrio:

Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.




Casa de Almeida Garrett na Rua Saraiva de Carvalho


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Amarragens # 3


Aqui.

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sexta-feira, abril 29, 2005

Sem título


Não te pendures na vida
no espaço
habita o infinito.

hfm - Abril 05


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quinta-feira, abril 28, 2005

Pintando o olhar


como numa prece
estendem-se em socalcos os verdes
e ouvem-se as rezas das canas ao vento


em êxtase desfio as contas deste rosário!

Ericeira, Março 05


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Citando # 102


I would now like to start looking at that dimension which I have called by that rather nasty word "governmentality". Let us suppose that "governing" is not the same thing as "reigning", that it is not the same thing as "commanding" or "making the law", let us suppose that governing is not the same thing as being a sovereign, a suzerain, being lord, being judge, being a general, owner, master, professor. Let us suppose that there is a specificity to what it is to govern and we must now find out a little what type of power is covered by this notion.

Michel Foucault, Sécurité, Territorie, Population. Cours au Collège de France. 1977-1978, Paris: Gallimard, 2004. p. 119.



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quarta-feira, abril 27, 2005

Amarragens # 2

Aqui

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Visitando a casa de Neruda em Santiago - um poema de Eneida Leite



Aguarela de Dafni Amecke Tzitzivakos


Pena Verde

Não importa
que a cordilheira
o separe do mar.

Não importa
a rua sem saída,
a casinha modesta.

(Construíste um farol,
mesmo assim)

Importa a noite longa, e os
navegantes, muitos,
precisando de luz.

Importa o leão,
da distante África,
vivendo em suas costas,
a perscrutar o caminho
de volta para casa.

Para o leão,
sonhando voltar,
Para o marinheiro ,
ousando viver:
tua porta
sempre aberta.

Importaste de Murano
as taças de cristal,
coloridas.
Amarelas, vermelhas,
verdes, azuis.
O arco-íris
sobre tua rústica mesa
de madeira do teu sul.

Dizias
que o espírito do vinho
muda
pela graça das cores das taças.
E muda-
va o vinho.
E muda-
va as taças.
Repletas, todas
Com o teu melhor néctar
Para ofertá-las.
E isso, importava.
Im-
Porta.

Whitman,
teu faroleiro onipresente,
guarda
s caminhos
seguros
de entrada
ou de saída.

Quem convencerá Maiakovski,
Poe,
Vinicius e os outros
a saírem de teu bar?

Com a pena verde,
cor do mar que sonhavas,
escreves palavras,
todas portas,
Liberdade.
Plumas de esperança,
a nos fazer
flutuar.


Eneida Leite



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terça-feira, abril 26, 2005

E se um dia o universo espirrasse?


o que aconteceria ao tempo, ao espaço, à gravidade, ao electromagnetismo?

Bastaria um espirro e tudo se poderia alterar. Seria um processo em cadeia? Ou não? E nós, aqui na terra? Onde ficariam os nossos pés? E se a luz se desviasse? E se a atracção não encontrasse resistência?

Felizmente a lua cheia brilha pacificada por sobre a cidade adormecida e as interrogações são apenas o desvario de uma especulação literária.


hfm - Lisboa, 24 de Abril de 2005



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Citando # 101


Je m'arrête, quand j'ai l'impression, non certes que mon livre est parfait, mais que je ne peux plus le perfectionner.

Simone de Beauvoir



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segunda-feira, abril 25, 2005

Há 31 anos



25 de Abril


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sábado, abril 23, 2005

Vasculhando o Sótão


São dois postais dos anos 50 de uma enorme naïveté mas que fizeram a sua época.



ao telefone



Menino com olhos que se moviam consoante se chocalhava o postal


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quinta-feira, abril 21, 2005

Chain letter



Os meus amigos do Local & Blogal e da Extensa Madrugada, Mãos Vazias fizeram o favor de me “apanhar” para esta Chain Letter; há convites que, quando partem de certas pessoas, não se podem recusar. Assim, aqui vai com o atraso a que uma estadia fora de Lisboa me obrigou.


Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Só poderia ser A Cartilha Maternal de João de Deus pois sem esse livro todos os outros seriam meros rabiscos.


Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?

Quando em adolescente descobri a figura feminina dos Cinco de Enid Blyton.


Qual foi o último livro que compraste?

Tristes Tropiques de Claude Lévi-Strauss.


Qual o último livro que leste?

Michel Foucault de Didier Eribon


Que livros estás a ler?

Sempre à mão Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o futuro; Perto do Coração Selvagem, Clarice Lispector e Austerlitz de W. G. Sebald


Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?

Sem pensar muito ou sem ser literariamente correcta os primeiros que me vêm à cabeça pela ordem temporal em que os li - Os Thibault de Roger Martin du Gard, a poesia completa de Fernando Pessoa e seus heterónimos, Les Mandarins de Simone de Beauvoir, o Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell e finalmente um bom dicionário para manter um aceso diálogo com as palavras já que a ilha seria deserta.


A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?

Ao Nocturno com Gatos pois a sua autora além de poeta é minha amiga.

Ao Antes de Tempo pois o seu autor ajudou-me a ampliar o meu cérebro e assim a “domesticar” o olhar e a mão e ainda pelas imagens, livros e palavras que ali sempre encontro.

Aos Limites de Luz pois aí sempre encontro a empatia das palavras e da sua teia.


hfm



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quarta-feira, abril 20, 2005

Quando conheci Michel Foucault, em 1966, em Paris, no 15ème arrondissement


Vinha na rua com um amigo, professor em Nanterre, quando, de repente, ele me dá uma ligeira cotovelada e baixinho murmura:

- Aquele que aí vem é o Michel Foucault!

- Conhece-lo?

- Sim.

- Apresenta-mo.

Pierre olhou para mim incrédulo quando Michel Foucault se aproximava.

- Bonjour, Pierre.

- Olá, Michel, estás bom ?

- Muito atarefado com o meu retorno de Clairmont-Ferrand e a partida para Túnis.
E o teu trabalho?

- Vai andando, como é possível no caos de Nanterre! Já agora apresento-te H., uma amiga minha portuguesa.

- Prazer – disse Foucault olhando-me – também é professora em Nanterre?

- Não, estou apenas em Paris a passar uns dias. Foi um prazer conhecê-lo.

- Conhecer-me? A gente nunca se conhece.

- Bom, se quiser, falar-lhe. Já viu o que no meu país isso pode contribuir para o meu currículo?

Quando acabei a frase já tinha uma cotovelada de Pierre e Michel Foucault dizia.

- Você é rija, de resposta pronta!

- Descarada, se quiser! Talvez seja a única maneira de convivermos, nós os comuns mortais, com as figuras públicas!

- Figura pública? Ainda falta muito para o vir a ser. Mas esteja confiante, pois sê-lo-ei. Já agora quer um autógrafo? pode vir a dar-lhe dinheiro!

- Não, preferia que me enviasse um livro seu autografado, pode ser aquele sobre a loucura. É que loucos somos todos nós!

- É engraçada a tua amiga! digamos um pouco desbocada! Pode estar certa que através do Pierre o livro há-de chegar-lhe às mãos!

- Enchantée! Um dia ficarei rica por conta dele!

- Isso é que você não sabe!

- Se me garantiu que um dia há-de ser um figura pública e como eu sou mais nova... aí tem!

- Elle a une verve! Como se chama ?

- Phantôme!

- Phantôme? mais vou plaisantez!

Larguei-me a rir. Como eu gozava comigo própria quando inventava estes diálogos impossíveis!


Lisboa, 12 de Abril de 2005

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segunda-feira, abril 18, 2005

Sem título


quando me olhas
absorvo vulcões


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Citando # 100


A cor é o lugar onde o nosso cérebro e o universo se encontram.

Paul Cézanne



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sábado, abril 16, 2005

sob as Hespérides - Gonçalo B. de Sousa


era bom que o mundo fosse diferente,
mas eu sou só um e mais não posso.
pelos pomares do mundo há árvores
enegrecidas, com maçãs de chumbo.
um sou, mais não poderei? e como não?
pus um vaso na varanda, ao sol dos dias;
mão rudes o modelaram; certeiros dedos
de mulher lhe pintaram quimeras de fogo,
uns frutos, estrelas e corações escarlates.
se mais não puder, como me explicarei
diante das crianças de ouro, que riem
abundantemente, como arroios à solta?
da terra que apanhei do chão, nasceu
uma planta de um verde estranho às casas
de betão; alimenta-se do vento e da água e,
suspeito-o, do fogo que lhe é interior
(de onde vem a luz, que não se lhe vê a fonte?)
essa é a minha planta verde, posta
num vaso de quimeras: a minha bandeira
no solo de betão lunar, ao abismo da rua,
vertical como as árvores errantes
na planície, com frutos como corações,
sob as incorruptíveis Hespérides guardiãs.
sou um só - no entanto, bastam duas mãos
para agarrar a lua que orvalha as madrugadas.



gonçalo b. de sousa

7/9 - 3 - 2005



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sexta-feira, abril 15, 2005

Sem título


não deixes na solidão a linha recta
quebra-lhe uma companhia
basta um ângulo
como ao deserto a duna.

Abril 05


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quinta-feira, abril 14, 2005

Amarragens #1


Já vários vezes fiz destaques neste blog do que de melhor tenho encontrado na blogosfera. Inicio, contudo, hoje, uma nova secção. Não sei se será o melhor mas será sempre um post que, por qualquer razão, tocou a minha sensibilidade, a minha imagética ou coincidiu com o que penso e sinto. Serão registos ao sabor do vento, do mood e das imponderabilidades.

Hoje destaco este poema.


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Citando # 99


Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.

Clarice Lispector



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quarta-feira, abril 13, 2005

Vasculhando o Sótão - Rio de Janeiro II


Mais três postais do Rio de Janeiro continuando a presumir que sejam dos anos 50/60. Igrejas.



Igreja da Glória



Igreja da Penha



Igreja da Candelaria


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terça-feira, abril 12, 2005

Sem título


quando falha o caminho
desdobro labirintos


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Citando # 98


A felicidade é uma estação intermédia entre a carência e o excesso"

Ibsen



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segunda-feira, abril 11, 2005

Porque já passou um ano


Ausente de Lisboa quando fez um ano que Rodrigo morreu, só hoje aqui coloco um recorte, há muito guardado e já bem amarelecido pelo tempo.


Do Diário de Notícias, infelizmente sem data


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Citando # 97


De razões vive o homem, de sonhos sobrevive.

Miguel de Unamuno



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domingo, abril 10, 2005

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Olhando a escultura para cegos de Brancusi




Brancusi, Escultura para cegos




até ao meu olhar
não existias
intemporal
pairavas na eternidade
dei-te vida
ao percorrer-te no espaço

és minha
no tacto do meu olhar

Lisboa, 8 de Abril de 2005


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sexta-feira, abril 08, 2005

De filha para pai


eram tortuosas as ruas do saber
simplificadas pelas tuas palavras
e pelas tuas mãos desenhando mundos.

eram dolorosas as fracturas da vida
mas a magia das tuas pontes serenava
em mim todas as dúvidas.

eram inóspitos os sentidos dos dias
mas a tua calma voz resolvia
a fragilidade das incógnitas por cumprir.

eram de cores os dias partilhados
e o tempo media-se por um cronómetro
que só os dois conhecíamos.

foram duais as etapas percorridas
e aqui, olhando o mar, vejo-te na bruma
- maresia de sabores regando o meu devir.

Ericeira, Março 05


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quinta-feira, abril 07, 2005

A hora dos quotas (cotas?)


Não era ainda a hora da bisca, nem da renda, nem tão pouco dos passeios infantis. A Quinta dos Lilases acabava de acordar do remanso da noite. Lá dentro os maduros. Com poucas excepções, muitos cotas! Alguns vestidos a rigor e desafiando o peso dos anos no excesso da corrida. Outros, molengões, certamente obedecendo à receita médica. Outros apenas disfrutando o prazer do cheiro da manhã, da hora serena que se junta ao tónico de um bom passeio. Uns para cá, outros para lá, numa ordeira sucessão de passos e corridas. Há uma renovação a que os cotas estão a aderir. Lentamente. Olhando-se. Olhando de viés os mais novos que invadem o seu espaço e a sua hora. Mas resistentes.

Assim o fossem as quintas que havia no Lumiar. Abertas ao público a dos Lilases e a das Conchas sendo que esta última está há longos meses a mudar de rosto – de acordo com o que espreito nos espaços por onde ela se vislumbra - e creio que deixará em breve de ser uma quinta, bela, com espaçoso relvado, cheia de árvores e carreiros para ficar um parque disciplinado com esplanada e uma casa em tons avermelhados e ruas empedradas que dão lugar a algumas árvores que o Pipi (o Lopes, da Câmara) achou desnecessárias!

Não gosto de falar antes de tempo e ela ainda não foi aberta ao público mas sinto que vamos perdendo as poucas quintas que ainda nos restavam para domesticarmos o urbanismo incaracterístico e provinciano.


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quarta-feira, abril 06, 2005

Dançando em hemisférios diferentes


Como os traços e cores se riem de nós quando apenas os invertemos! O jogo do olhar e da imaginação!


dançando I



dançando II


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Notícias de Cabotagens


Só ontem à noite o descobri e penso que vale bem uma visita - escolhas apuradas e diferenciadas. A não perder aqui.

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terça-feira, abril 05, 2005

Citando # 96


Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez. E, sobre o Universo, não tenho a certeza.

Albert Einstein

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Sem título


quando nada tenho
sobro-me


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segunda-feira, abril 04, 2005

Vasculhando o Sótão - Rio de Janeiro I


Para os meus amigos brasileiros e esperando que algum deles me vá descodificando os locais. Infelizmente os postais não estão escritos e, portanto, não tenho datas. Devem ter sido comprados para depois, em Portugal, serem mostrados aos familiares e amigos.


Rio de Janeiro - Praça Marechal Floriano e Avenida Rio Branco



Rio de Janeiro - Praça da República


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domingo, abril 03, 2005

?


E se o silêncio fosse apenas adorno?



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sábado, abril 02, 2005

Pelo ecumenismo


Como diz o meu povo que a terra te seja leve, João Paulo II.


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(Des)anonimato

A Inês, felizmente, resolveu deixar o anonimato e já consta da minha lista de links. Aproveitem pois eu já navegava por lá há algum tempo.

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Aguada



solta-se na chuva
a fragância do silêncio
clareia nos pingos
a resina do instante
e a claridade dos encontros breves
sobressai das gotas
cristalinas e múltiplas

transparências de aguarela.

Lx, 2 de Abril 05

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