O pano e a mesa
Este já andou pela antiga Linha de Cabotagem mas apeteceu-me repô-lo.
está esgaçado o pano que cobre a mesa
fruto do tempo e das mãos
e antes que todos cheguem
numa breve pausa
reconstruo cenas parecidas com esta
onde se fidelizou este pano e esta mesa
que me chegaram de casa dos meus avós
e, se calhar, tal como o Gama,
andaram pelo Oriente
ornando as recepções da então jovem
com que dizem que me pareço
olho-a ali no retrato grande
com saia até aos pés e chapéu
brincando com meu pai vestido de marujo
talvez também a mesa servisse de apoio
aos charutos de meu avô
nessa Póvoa do Varzim distante
onde o mar enraizou nossa sina;
mais tarde em Campo de Ourique
foram acarinhados por outra jovem
loira e bela
com o tom dos países nórdicos
ornada por um sorriso e alegria contagiantes
minha mãe que os deuses adoraram
e por isso mataram cedo;
num passado próximo mesa e pano
apoiaram as festas da jovem que eu fui
e que os pais mimoseavam
na ternura do amor
no vínculo do mar;
hoje, no buraco negro da ausência,
acarinho as lembranças
e desdobro as emoções
na alvura do pano
que agasalha a mesa antiga.
Lx, 11 de Maio de 2002
Etiquetas: Poemas HFM
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