Da realidade e do sonho
Há muito tempo que não passava pela casa. Encontrei-a cada vez mais degradada. Arrepiava a alma. Estava ali a incúria de um país que não sabia preservar a sua cultura.
Olhei a lápide e, de repente, os meus olhos desviaram-se para as duas janelas abertas. Devia ser de propósito – aumentaria a degradação e depois, quando a casa ruísse, todos os ínvios objectivos seriam alcançados. Olhando melhor toda a fachada, reparei que a porta, apesar de fechada, tinha a grossa corrente caída. Atravessei a estreita rua e empurrei-a. Guinchou mas foi-se abrindo. A medo meti a cabeça e, lentamente, não fosse alguma tábua ceder, fui entrando. O interior estava soturno e tétrico. Parei; tinha ouvido um ruído. Dei um passo atrás e abri um pouco mais a porta. Tentei descortinar para além das sombras mas pouco via. Nisto, não tive dúvidas, ouvi passos descendo as escadas. Era a hora em que o sol se encontrava a pique, a porta estava aberta, por detrás de mim a Rua Saraiva de Carvalho e os passos de alguns transeuntes. Não via ninguém no meio daquela penumbra mas, de vez em quando, os passos aproximavam-se. Tive medo e retrocedi pronta a sair. Nisto, ouvi num murmúrio:
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Casa de Almeida Garrett na Rua Saraiva de Carvalho
Etiquetas: reflexões
<< Home