quinta-feira, junho 28, 2007

Lendo - O Fulgor da Luz - conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes de Anne Philipe





Vieira da Silva - Queria dizer uma coisa. Fazem-nos muitas vezes esta pergunta: "Como é que se pinta?" E eu não sei se estão a pensar na técnica, se no ofício. Porque uma técnica como a da gravura, podia eu explicá-la mesmo não sendo uma boa gravadora. Sou capaz de explicar como se faz uma água-forte, um buril, uma ponta-seca, uma litografia, um vitral, tudo isso posso eu torná-lo inteligível, com a consciência de não fugir demasiado à verdade. Mas fazer pintura é uma coisa totalmente diferente, porque o ofício e a técnica estão aí intimamente ligados. É um dos ofícios mais antigos, pois já o homem das cavernas o praticava. O impressionismo fê-lo eclodir, e desde então o ofício de pintor tornou-se diferente do que até aí fora. Mas uma coisa não mudou: um pintor que não sabe pintar fará um mau quadro, mesmo que o assunto e a intenção sejam bons, porque a ideia e o ofício são inseparáveis. Pode ir-se muito longe, mesmo, sem se ser um grande pintor, basta ter trabalhado durante muitos anos e haver adquirido uma certa ciência. E isto aplica-se a todos os pintores como eu e o Arpad, que toda a vida trabalhámos duramente. Tornamo-nos sabedores e esse saber adquirido é difícil de ser dito e explicado. É como se eu quisesse aprender composição musical para compreender os músicos ou a música. Mas os compositores atingiram uma mestria tal, que nós somos incapazes de acompanhá-los, mesmo possuindo uns rudimentos de composição. Boulez, que é músico muito sabedor, pode, se clhar aprender imediatamente qualquer partitura, mas eu, que sou apenas amadora, não posso.


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Arpad - Curiosamente, ambos compreendemos muito melhor a Escola de Paris depois de termos descoberto a Itália. Fomos dar com a nascente, com o sítio indiscutível, se quiseres. Quando éramos jovens, até aos vinte anos, um pintor estudava do natural. É preciso ver que aos quinse ou dezasseios anos se perde a pureza, a ingenuidade, a capacidade de admiração.

Anne Philipe - A que atribuis tu essa regressão?

Arpad - A várias causas: ao ensino que atrofia, que é demasiado conformista, ou demasiado abstracto, e que separa o adolescente da poesia; à sexualidade que nos assedia nessa altura da vida, e a outros factores fisiológicos. Mas seja como for, e maus grado tais provações, há que continuar, que perseverar. É um processo inevitável e muito doloroso.

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Tradução de Luiza Neto Jorge

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