Do diário
Há momentos em que as palavras se impõem. A caneta, não. Embirro solenemente quando a caneta começa por não escrever. Quando tenho de fazer força, ou quando tenho de riscar outros papéis. A escrita, melhor, a ideia, não se compadece com hiatos, com compassos de espera. As palavras já agitam a mão e já se encontram em fila, mesmo quando as desconheço. Todos os gestos inúteis as adiam, as interrompem, as fazem gaguejar. E aqui, na imensidão desta cidade, não há tempo e todos os minutos os tenho de aproveitar.
É ainda no início da manhã que a palavra me surge pura, despida de rodeios e de gorduras. É quando canta, na melodia única do que ainda não sei que vou escrever. Límpida como a energia matutina que tudo quer aproveitar. Límpida na distância que vai da adolescente que aqui viveu à mulher que hoje a demanda. A vontade de me espantar, o espanto do conhecimento, não diminuiu. Apenas o tempo e a sua relatividade se alteraram de uma forma dramática.
Fecho as palavras, deixo-as aboborar, a “mijoter” e parto para a cruzada da descoberta onde me incluo.
HFM - Londres, 14. 02.08
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