quinta-feira, janeiro 31, 2008

Dos Outros - Livro de orações


primeira


senhora, em teu poder finito e aleatório confio
as minhas preces de ontem e de hoje.

entrego às tuas mãos lânguidas a seiva das
minhas lágrimas
para que nelas banhes o rosto e absorvas
a cor e o sal da minha interioridade.

senhora, em teu poder finito e imperfeito deposito
a esperança de uma luz – não tem de ser brilhante -
basta o calor da verdade e a frescura da paz
para desenhar a pastel um dia com outro tempo.

imploro o abraço das tuas pernas,
dos teus cabelos ondulantes,
dos teus fios de ouro suspensos das asas,
das tuas raízes profundas cravadas no mundo,
o abraço que faça de mim lugar fértil da tua curiosa misericórdia.

senhora, em teu poder finito e inconstante entrego humildemente
o rumo do meu sangue – todo
: do que corre nas veias
e
do que inunda os carris onde desfila inglório
o meu azul final.


vinte: 01, MMVIII


Com um abraço agradecido ao meu amigo R.E. por me ter deixado colocar aqui este seu poema.

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terça-feira, janeiro 29, 2008

Viagens na minha terra








Recriando passeios antigos ladeando o mar e perseguindo os verdes serra acima ao encontro da paz de um estranho convento de histórias e recantos.

fotografias: Marques da Silva

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segunda-feira, janeiro 28, 2008

Do diário


Somam-se os dias nos pingos desta chuva como se de uma ampulheta se tratasse.

Enquanto houver deserto haverá sempre areia para acrescentar.


HFM - 15 de Janeiro 2008



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sábado, janeiro 26, 2008

Citando # 185


Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desinportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como projecto? Em todo o caso é o meu.

Alexandre O'Neill



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quinta-feira, janeiro 24, 2008

Sem título


Não sei das tuas palavras
só das mãos
onde plantas ternura.


HFM - 23 de Fevereiro de 2008



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quarta-feira, janeiro 23, 2008


Não procures as palavras; se existirem, libertar-se-ão.

HFM - 22 de Janeiro de 2008


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terça-feira, janeiro 22, 2008

Do diário


Do sol - o calor da luz
Das árvores - o cheiro a terra
Do olhar - a satisfação
Da cidade - este oásis sobrevivente
De mim - a energia das confluências.


HFM - Parque das Conchas, 21 de Janeiro de 2008



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segunda-feira, janeiro 21, 2008


Os pés hesitavam na irregularidade das rochas. Agora subia. Descia, em seguida, inclinada sobre um lado. Um passo para baixo, outro para o lado, outro para cima. Hesitante. na dureza que os seus pés pisavam. Sempre com a baía como linha de rumo. Para ali, tinham-lhe dito, ficava o Chateau de Dinan. Descortinara a baía mas não o castelo. Continuou. Indecisa. Num passo para a direita descortinou, abaixo da falésia, uma estranha arquitectura quase feérica onde não faltava uma ponte levadiça. Fez-se luz no seu espírito, era aquilo o Chateau de Dinan. Impressionante estrutura rochosa onde se destacavam do azul céu/azul mar as ameias, as janelas em ogivas, as estranhas portas e salas abobadadas como se os séculos tivessem ali incrustado todos os estilos.

Arquitecto – mar, chuva, vento, sol e, como ajudantes, todos os outros elementos da natureza.


Presqu’ile de Crozon, Château de Dinan, Maio 2006




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sábado, janeiro 19, 2008

Poema


Quando no poema
não existirem palavras
e dele se soltarem
por inatingíveis labirintos
imagéticas melodias

o poeta serenará.


HFM - Lisboa, 6 de Janeiro de 2008



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sexta-feira, janeiro 18, 2008

Do diário


Através duma aguarela decompus a chuva e este cinzento húmido num magenta alaranjado que, no silêncio, acentuou em sorrisos a vida que quero em mim.

Esperança transparecendo nas cores de uma aguada.


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quinta-feira, janeiro 17, 2008






Quando as palavras se atrevem
soltam-se nos dedos melodias

sinais entrecruzando enigmas.


HFM - 14 de Janeiro 2008



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terça-feira, janeiro 15, 2008


E quem és tu, pá?

E eu sei, pá?

Já ouvi isso em qualquer lado, a linguagem era outra, o tempo também mas vai daí e vai dar ao mesmo. Mas também isso não interessa nada.

E o que interessa?

Talvez o desinteresse.

Uma boa sugestão.

Stressante, desinteressada de interesses.

Ó pá, tas marado?

Desinteressado.

Chato, pá, vê lá se mudas de conversa.

Olhe, por favor, uma desinteressante para a mesa do canto.

Tás parvo?

Desinteressado.

Cala-te, gajo, já não te posso ouvir!... e então não dizes nada?... o que foi?

O desinteresse pelo teu interesse desinteressado ou as farroncas com que me desinteressaste. Desinteressas-me. Stressas-me. Cessas-me. Ergo a eça onde colocarei o supremo desinteresse – o texto e contexto desinteressantes destas conversas de xaxa.


HFM - Lisboa, 12 de Dezembro de 2007



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segunda-feira, janeiro 14, 2008

Instantâneo


Por entre oliveiras
em socalcos corre a água

oásis no martelar da cidade.


HFM - Quinta das Conchas, 14 de Janeiro de 2008



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domingo, janeiro 13, 2008


O fio onde prendes a ternura - nele me enforcarei


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sexta-feira, janeiro 11, 2008

Numa Manhã de Frio junto ao Natal


o frio endurece os nervos
e os dedos
por onde se escapa a ternura
farrapos de neve
cumpliciando as certezas

sopra forte o vento
adensando memórias.


HFM - Lisboa, 21 de Dezembro de 2007



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quinta-feira, janeiro 10, 2008

O asséptico mundo da formatação


Formataram em nós a Europa.

Viva o cumprimento das promessas... desculpem, por momentos, julguei que o 1º Ministro tinha palavra e ética.


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quarta-feira, janeiro 09, 2008


Momentos. Escassos espaços de respiração. Um acorde. Ou mais. Ao fundo. Quase imperceptíveis. Como a chuva miudinha formando a poalha. Um silvo. Ou seria uma palavra ciciada? Um toque alterando a imutabilidade das coisas. Como uma fuga. Uma evasão provocada. Sorriu. Sentado na sua cara o sorriso evitando a interrogação dos presentes. Outra vez a respiração. O silvo. E a ansiedade com que tentava perceber. Caminhos que criava quando se soltava do ambiente envolvente onde o sorriso era a sua imagem de marca. De um lado para o outro. Quase como numa construção de legos o seu cérebro não parava de formar imagens. Divagações. Espaços abertos onde a respiração era possível. E o silvo donde viria? Momento de distracção. Como um arrepio percorria-lhe o sorriso até à evasão. Sufocava. Voltou-se para a lareira; já não era emprestado o sorriso, era quase uma gargalhada – o silvo escapava-se por entre os toros no sibilar do fogo.

O mimo recriara-se na realidade e ninguém tinha percebido.


Lisboa, 7 de Janeiro de 2008



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segunda-feira, janeiro 07, 2008

A Caligrafia das Memórias


A caligrafia das memórias
preenche compulsivamente
as linhas dos meus sentires
como se de um reflexo azul mar
se tratasse
ou como a mão levantada
onde perdido estivesse o adeus


a caligrafia das memórias
suspende-me em ascese


pedra onde assento o infinito.


HFM - Lisboa, 30 de Dezembro de 2007



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domingo, janeiro 06, 2008

Luiz Pacheco - 1925/2008


Quando a dor no peito me oprime, corre o ombro, o braço esquerdo, surge nas costas, tumifica a carótida e dá-lhe um calor que não gosto; quando a respiração se acelera em busca duma lufada que a renasça, o medo da morte afinal se escancara (medo-mor, tamanha injustiça, torpeza infinita), aperto a mão da Irene, a sua mão débil e branca. Quero acordá-la. E digo : «não me deixes morrer, não deixes...» Penso para comigo, repito para me convencer: «esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda...» E aperto-lhe a mão com força, e acabo às vezes por adormecer assim, quase confiante, agarrado à sua vida. Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei ! São elas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei...)

excerto de Comunidade



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sexta-feira, janeiro 04, 2008

Memórias


As memórias. Rolos de fumo por onde se escapam imagens. Difusas. Encadeadas. Desconexas. Sôfregas de um passado que no presente se deixam apenas vislumbrar. Sedutoras. E nelas nos prendemos tentando que resistam ao presente. Estúpidos. Não se adaptam nem sofrem formatações. Dignas. Inteiras. Como as árvores preferem morrer de pé. Nunca transformadas. Nunca refeitas. Nunca adaptadas. Torna-se insuportável encará-las quando não nos revemos ou as enjeitamos. Sempre despidas. Intactas. Recusam a nossa maquilhagem. Pior. Riem-se de nós.

Memórias que memorizámos em sedimentos e que não suportamos quando no todo as reavemos. Enxotamos o passado sem percebermos que é a nós que nos enxotamos.

Quando o compreendemos, por interesse ou rendição, permitimos que diáfanas percorram o limbo surrealista do nosso estreito conhecimento.


HFM - 4 de Janeiro de 2008



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quinta-feira, janeiro 03, 2008

Sem título



na pauta da melodia
soletrei a vida

o piano a decompôs.


HFM - Lisboa, 3 de Janeiro de 2008



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quarta-feira, janeiro 02, 2008




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terça-feira, janeiro 01, 2008

Anoitecidos





Primeiras horas de um ano novo e sempre um receio e uma esperança. O lugar onde estando não sei. O lugar conhecido onde me falho.

Ficam nos afectos estes amigos que comigo percorreram tanto trilho, tanta vida, tantos projectos e desencontros.

Fica ainda esta praia onde deixei tanto sonho, onde o mar se colou à pele da alma.

Fica o amor, transcendendo-me.


HFM - Ericeira, 1 de Janeiro de 2008 - 3,45h



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