sexta-feira, novembro 11, 2005

O homem de parcas palavras


Não era homem de muitas palavras; estas eram parcas e esparsas como que esgotáveis se muito remexidas.

Quando escrevia parecia estar fazendo um daqueles exercícios em que o número de palavras é limitado. Quando falava as palavras eram directas, numa simples construção, perfeitamente claras e dirigidas ao assunto. Contudo, era aliciente a leitura do que escrevia. Também o era ouvi-lo. Não se repetia. Não usava subterfúgios. Mas também não se podia dizer que a sua escrita ou fala se regiam por normas em voga (não direi modernas mas na moda) e datadas; também não se escondia naquelas proibições em que alguns querem fechar a escrita por falta de imaginação ou puro vício. Ali havia adjectivos, advérbios e tantas outras coisas pouco enxutas. Havia era o domínio da palavra e a sua aplicação judiciosa e sem tergivações.

Quando falava em alguma conferência, palestra ou no simples convívio social o tempo que tomava era sempre pouco. Dizia o que tinha a dizer e calava-se. E, coisa espantosa, abria a seguir o diálogo com os outros não para se ouvir mas para os ouvir, para os deixar ter tempo de expor as suas dúvidas ou ideias. Tão diferente daqueles palradores que nos impõem a metro as suas palavras que, ainda que trabalhadas, soam sempre a notas falsas e mais parecem um arranjo literário conseguido através duma constante consulta ora ao dicionários ora à gramática. Um tédio!

Não, nele a palavra era escorreita e pura servida por todos os ingredientes literários necessários, apenas parcimoniosamente.

Um dia, um daqueles poetotes convencido e arrogante, fez-lhe uma crítica à pequenez dos seus textos e à falta de utilização duma série de convenções. Foi mais longe, do alto do seu convencimento e posse da verdade sugeriu-lhe que aprendesse com os seus poemas extensos intrincados em quilométricas palavras perfeitamente acentuadas e escolhidas. Ele sorriu, silenciou e deixou que, por um longo momento, se ouvisse o mar e o vento e depois, sem pressas e calmamente, respondeu-lhe:

- Acabou de ouvir um incomparável diálogo cheio de harmonia apesar da ausência de regras – assim devem ser as palavras.

O outro, olhou-o com desdém e continuou a perorar por mais meia hora.


Lisboa, 8 de Novembro de 2005



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