terça-feira, novembro 01, 2005

250 anos sobre o Terramoto de Lisboa







Nos 250 anos do Terramoto de Lisboa extractos de algumas cartas do livro O Terramoto de 1755 Testemunhos Britânicos, edição bilingue, The British Historical Society of Portugal e Lisóptima Edições, 1989.



Querido Irmão,

No sábado 1º do corrente, cerca das 9 horas e meia, estava eu recolhido no quarto depois do pequeno-almoço quando me apercebi que a casa começara a tremer; não compreendi a causa, mas como vi os vizinhos à minha volta todos a correr escadas abaixo, também me apressei, e quando tinha atravessado a rua e chegado debaixo das arcadas de algumas casas baixas, estava mais escuro do que a noite mais escura que jamais vi e assim continuou cerca de um minuto, devido às nuvens de pó provocado pela queda de casas por todo o lado. Depois de clarear, corri para uma grande praça ali perto onde ficavam o palácio a oeste, a rua em que vivia ao norte, o rio, ao sul, e a Alfândega e armazéns, a leste. Mas este funesto terramoto teve uma tal influência sobre o mar e o rio que a água subiu várias jardas na perpendicular, em cerca de dez minutos; nessa altura voltei a correr ao meu quarto, apanhei o chapéu, a cabeleira e a capa, fechei as portas à chave e regressei para onde estava; mas alarmada pelo grito de que o mar estava a avançar, toda a gente inrrompeu em direcção às colinas, eu como os outros, mais o Sr. Wood e família. Andámos cerca de duas milhas pelas ruas, saltando sobre ruínas de igrejas, casas, etc., pisando centenas de mortos e moribundos atingidos pela queda de edifícios; coches, cadeiras e mulas jaziam todos pelo chão, feitos em bocados; e, aquele dia, sendo de grande festividade para a fé católica, e mesmo na altura de se celebrar a primeira missa, milhares estavam reunidos nas igrejas, a maior parte dos quais morreu, pois os grandes edifícios, especialmente os situados em elevações, sofreram o maior dos prejuízos, tendo escapado muito poucas igrejas ou conventos. Antes de termos conseguido sair completamente de entre as construções veio outro abalo, mesmo quando eu estava a passar sob as ruínas de uma grande igreja, mas felizmente pus-me a salvo antes de mais desabamentos.

(...)

Porto de Lisboa, 19 de Novembro de 1755 (carta anónima)


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Senhor,

Há cerca de uma semana mandei-lhe uma carta pelo Rainha de Portugal, capitão Rich. Veal informando-o da destruição total e absoluta desta cidade outrora famosa e mercantil, primeiro por um terramoto, cerca de 57 minutos depois das 9 da manhã, seguido por um incêndio. O palácio do rei, o Tesouro, como todos os edifícios públicos em geral, foram vítimas desta terrível conflagração. O incêndio ia aumentando ao passo que queimava, pois ao segundo abalo do terramoto todos os habitantes procuraram fugir, embora muitos milhares morressem nessa tentativa, tendo sido atingidos na cabeça e ficando sepultados sob as casas que ruíam à medida que passavam por elas, de forma que, quando o incêndio começou, não havia habitantes na cidade para o apagar. Lavrou durante nove dias e nove noites com fúria incrível. Ontem andei pela cidade para a observar; não havia sinais de ruas, vielas, praças, etc., apenas colinas e montes de destroços ainda a fumegar. Sua Majestade, a rainha e os filhos permaneceram acampados em Belém, e todos os habitantes que sobreviveram estão acampados em pequenas tendas sobre as colinas em redor da cidade. As nossas apreensões ainda não terminaram pois ontem de manhã, cerca de dez minutos antes da uma, tivemos um tal abalo que nos alarmou ao extremo, e logo ouvimos gritos e vimos toda a gente de joelhos em oração. Cerca de meia hora depois das quatro, nessa mesma tarde, tivemos outro, mas não tão terrível: e assim tem sido desde há 18 dias. O cenário de miséria e destruição é tão horrível, que o sangue se nos arrefece ao dar-vos uma descrição dele.

(...)

Lisboa, 19 de Novembro 1755 (carta anónima)


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Querida Irmã,

Sento-me para te relatar a terrível catástrofe que aconteceu à outrora próspera cidade de Lisboa, agora cenário de terror e desolação. No primeiro dia deste mês, às nove e meia da manhã, um súbito terramoto abalou-lhe as fundações e pô-la em ruínas. Nesta hora fatal, as igrejas estavam repletas; e como a sua queda foi momentânea e não deu tempo para a retirada, os que se encontravam nelas morreram esmagados.

É impossível descrever os olhares aterrorizados dos habitantes fugindo em vária direcções para evitar a destruição. Muitos juntaram-se na margem do rio na esperança de salvar as suas vidas por meio dos barcos. Supunha-se que o cais da Alfândega era um lugar de segurança; mas, infelizmente, ficou inundado bem depressa e aqueles que fugiram para lá, apenas escaparam da cidade em queda para encontrar uma sepultura de água. Pais e mães foram vistos a procurar os seus filhos, e filhos a buscar os seus pais. Alguns passaram para o lado do Algarve, a margem oposta; e pela pressa e confusão que se seguiram, não conseguiram encontrar, durante vários dias, os seus amigos e parentes.


(...)


Lisboa, 12 de Novembro 1755 – James O’Hara


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Caro Senhor
Muito sinceramente, Vosso Amigo e Criado

Do local que em tempos foi Lisboa


Mal o tremor tinha cessado, um bando de patifes sem remorso começou a pilhar as casas que estavam desertas, pois os habitantes fugiram não sabiam eles para onde, com receio de que os edifícios caíssem sobre as suas cabeças; tão cedo quanto possível, guardas adequados receberam ordens para capturar saqueadores e disparar contra eles em caso de resistência. Aconteceu ir eu a passar na altura em que os oficiais estavam a entrar numa casa para capturar um bando, que ali roubava tudo aquilo a que podia deitar a mão; os ladrões ficaram alarmados com a aproximação dos oficiais, e um deles, vindo à janela de um quarto, exibiu uma espécie de bacamarte, praguejou violentamente que a primeira pessoa que se atrevesse a entrar era um homem morto nesse momento;


(...)


O grande edifício aqui pertencente à Inquisição foi inteiramente destruído pela primeiro abalo. A terra abriu em vários locais, dos quais brotaram terríveis chamas. Vários navios no Tejo, foram quer engolidos pela agitação das águas, quer afundados pela queda do palácio real e outros edifícios situados nas margens do rio.

Ao mesmo tempo, os vários rios que irrigam o reino subiram a uma altura extraordinária e, inundando as suas margens, provocaram grande dano à região adjacente. As montanhas mais consideráveis neste reino e no dos algarves, particularmente as da Estrela, Marvão, Sintra, Arrábida, Montejunto, etc., sentiram igualmente o abalo.

Lisboa, 9 de Novembro 1755


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