terça-feira, julho 11, 2006

Notas de viagem - 8


Perto de Douarnenez fica Locronan uma terrinha parada no tempo com uma pracinha onde nos sentimos transportados a outra era da História; aqui foram filmados numerosos filmes entre os quais destaco Tess. Locronan vem de Loc Renan ou seja o lugar de Renan.

Em baixo deixo um escrito lá redigido e, como faço sempre nos meus cadernos de viagem, sem qualquer tipo de correcção. Seguem-se algumas fotografias da terra onde fui duas vezes. A primeira - numa manhã de bruma que deu origem ao escrito, a outra - numa tarde de sol explendida.





NA BRUMA

A estrada a direito que conduzia à tão badalada praça parecia tirada de algum filme policial pois, para além da bruma, quase nada se via. De repente, mesmo em cima de mim, vi aparecer duas torres e uma praça fantasmagórica.

Entrei na igreja românica pela porta lateral junto à qual St. Renan descansa. Ouvia o que me parecia ser uma música, uma estranha música. Por a nesga da porta entreaberta entrei e comigo entrava a bruma sem qualquer tipo de cerimónias; assim compreendi a razão por que as colunas da igreja para além do peso dos anos carregavam um espesso verdete. Quanto à música rapidamente me apercebi que não era outra que o cantar, estranho cantar de um pássaro; qual? infelizmente a citadina disso nada percebe.

A igreja de Locronan é belíssima na harmonia de todo o seu conjunto e no despojamento de linhas e decoração que felizmente o homem ao longo dos séculos aqui não foi estragando; poderá haver um ou outro vestígio de falta de gosto mas, duma maneira geral, tudo nos conduz ao despojamento e ao silêncio havendo ainda a destacar o púlpito belamente pintado e uma descida da cruz em madeira do sec. XV belíssima na sua infantilidade e desproporção.

Cá fora o frio fazia-se sentir e a cacimba caía forte; talvez por isso, quando ouvi os sinos tocar, a agnóstica que sou, propôs que ficássemos a assistir à missa. Apetecia-me permanecer na paz daquela igreja onde imperava o silêncio.

Às 9:30h aí com uma vintena de pessoas começou a missa. Outras pessoas foram chegando perante alguns olhares reprovadores quer do pároco quer de alguns fiéis.

Do fundo onde me situava e porque a cerimónia nada me dizia fui analisando as pessoas. Nenhum jovem. Tudo gente para cima dos 60 anos. Há, contudo, que referir que a população de Locronan não excede as 800 pessoas. Outro pormenor que me fez sorrir foi o corte de cabelo das “memères” igual em todas as cabeças, só o tamanho variava e não muito!

A prática foi uma enfadonha leitura de papéis feita num tom monocórdico e quase indiferente, fez-me lembrar algumas que oiço em Portugal quando tenho de ir a algum funeral. Quando acabou a prática resolvemos sair para essa terra com uma inesquecível praça de casas de pedra renascentistas e bem preservadas. Nem o poço faltava realçando a sua beleza. Toda a povoação é um mimo de conservação e bom gosto. A bruma continuava a torná-la fantasmagórica, o silêncio não era cortado por os poucos turistas que aí estavam e eu senti-me como se estivesse numa pequena aldeia do Yorkshire. Era, contudo, a Bretanha e sabia que por ali, nesta região, tinha nascido Abelardo e quase que podia pressentir que aquela cacimba era ainda a parte visível da sua dor.

Comigo levarei Locronan, a bruma e o mistério daquele princípio de manhã.


Locronan, 28 de Maio de 2006





A igreja



Saída lateral da igreja



A descida da cruz - madeira, sec. XV



A praça central com o seu poço



A casa da minha perdição. Estas lojas, de um bom gosto a todos os níveis que encontrei espalhadas por várias terras da Bretanha foram a minha perdição - vendiam os bolos próprios da Bretanha dos quais destaco o Kouign Aman (gateau ao beurre) muito doce mas excepcionalmente bom. Para além disso tinham, como se pode ver na fotografia, junto às paredes, uma espécie de gavetas recheadas dos mais variados chocolates e bombons que se vendiam ao quilo. Não conto mais pois ali eu repeti o pecado da gula ;)


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