| NA BRUMA
A estrada a direito que conduzia à tão badalada praça parecia tirada de algum filme policial pois, para além da bruma, quase nada se via. De repente, mesmo em cima de mim, vi aparecer duas torres e uma praça fantasmagórica.
Entrei na igreja românica pela porta lateral junto à qual St. Renan descansa. Ouvia o que me parecia ser uma música, uma estranha música. Por a nesga da porta entreaberta entrei e comigo entrava a bruma sem qualquer tipo de cerimónias; assim compreendi a razão por que as colunas da igreja para além do peso dos anos carregavam um espesso verdete. Quanto à música rapidamente me apercebi que não era outra que o cantar, estranho cantar de um pássaro; qual? infelizmente a citadina disso nada percebe.
A igreja de Locronan é belíssima na harmonia de todo o seu conjunto e no despojamento de linhas e decoração que felizmente o homem ao longo dos séculos aqui não foi estragando; poderá haver um ou outro vestígio de falta de gosto mas, duma maneira geral, tudo nos conduz ao despojamento e ao silêncio havendo ainda a destacar o púlpito belamente pintado e uma descida da cruz em madeira do sec. XV belíssima na sua infantilidade e desproporção.
Cá fora o frio fazia-se sentir e a cacimba caía forte; talvez por isso, quando ouvi os sinos tocar, a agnóstica que sou, propôs que ficássemos a assistir à missa. Apetecia-me permanecer na paz daquela igreja onde imperava o silêncio.
Às 9:30h aí com uma vintena de pessoas começou a missa. Outras pessoas foram chegando perante alguns olhares reprovadores quer do pároco quer de alguns fiéis.
Do fundo onde me situava e porque a cerimónia nada me dizia fui analisando as pessoas. Nenhum jovem. Tudo gente para cima dos 60 anos. Há, contudo, que referir que a população de Locronan não excede as 800 pessoas. Outro pormenor que me fez sorrir foi o corte de cabelo das “memères” igual em todas as cabeças, só o tamanho variava e não muito!
A prática foi uma enfadonha leitura de papéis feita num tom monocórdico e quase indiferente, fez-me lembrar algumas que oiço em Portugal quando tenho de ir a algum funeral. Quando acabou a prática resolvemos sair para essa terra com uma inesquecível praça de casas de pedra renascentistas e bem preservadas. Nem o poço faltava realçando a sua beleza. Toda a povoação é um mimo de conservação e bom gosto. A bruma continuava a torná-la fantasmagórica, o silêncio não era cortado por os poucos turistas que aí estavam e eu senti-me como se estivesse numa pequena aldeia do Yorkshire. Era, contudo, a Bretanha e sabia que por ali, nesta região, tinha nascido Abelardo e quase que podia pressentir que aquela cacimba era ainda a parte visível da sua dor.
Comigo levarei Locronan, a bruma e o mistério daquele princípio de manhã.
Locronan, 28 de Maio de 2006
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