A caixa
A caixa era linda, em porcelana de Limoges – assim estava escrito em baixo – decorada com flores em tons vermelhos guarnecidas a ouro.
Maria sempre gostara muito daquela caixa que Rodolfo trouxera de casa de sua mãe quando esta morrera. Ficava mesmo bem em cima da alta escrivaninha, própria para se escrever de pé, que também tivera a mesma proveniência. De um lado um tinteiro antigo de cristal encimado por uma peça de prata lavrada, do outro lado – a caixa. Maria só não gostara da obsessão de Rodolfo quando a obrigara a colocá-la em cima da mesa da casa de jantar nos natais em que a família ali se reunia. Que não era uma caixa para estar numa mesa de festa, dizia Maria. Mas é assim que eu gosto, replicava Rodolfo, e também tenho voto na matéria ou não será assim?
Um dia, largos anos passados, João, o filho mais velho, ouvindo pela enésima vez a história do põe caixa, tira caixa, perguntou ao pai a razão daquela mania. Que quando tivesse dezoito anos lhe diria, respondeu o pai. João encolheu os ombros e pensou de si para consigo – o velho ‘tá pirado!
No Natal seguinte aos dezoito anos de João e quando este já se tinha esquecido da promessa, perante a indiferença de Maria que já pouco ligava à caixa, Rodolfo levantou-se com um copo de champanhe na mão e perante o olhar de espanto de toda a família, disse:
- Um bom Natal para todos os vinte e três aqui presentes!
Enquanto se levantavam para fazer o costumado brinde, Maria disse:
- Meu velho, já não sabes contar, somos só vinte e dois!
- Enganas-te - respondeu Rodolfo. Ao longo destes anos, todos os dias e particularmente no Natal, a minha mãe tem estado connosco - e apontando para a caixa, concluiu – no fundo falso desta caixa encontram-se as suas cinzas.
HFM - Lisboa, Novembro de 2003
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