sexta-feira, novembro 09, 2007

A casa


A casa. Grande proporcionalmente à criança que nela se perdia. E gostava. Uma casa que lhe fazia lembrar o labirinto do Jardim Zoológico. Só que esta tinha paredes e não sebes. Uma enorme escadaria, quartos e salas num número que evitava contar. Havia ainda o claustro de arcarias onde superiormente pousava uma varanda que refrescava o Verão e, no meio, um lago com repuxo rodeado de buxos geometricamente dispostos onde reinava a gravilha que ela pisava para a fazer cantar. Havia ainda a sala de jogos, um enorme rectângulo dominado ao centro pela mesa de pingue-pongue, do lado direito da entrada o Negus de que ela tanto gostava e, ao fundo, o cavalo que ela preferia jogar lá fora para ouvir os círculos pretos orquestrarem a gravilha quando caíam fora do jogo. A sala de jogos que bizarramente era precedida por outra, pequena, onde ficava o oratório e onde, ao fim da tarde, se vinha rezar o terço – osmose entre sagrado e profano.

A casa habitada por poucos no seu quotidiano, por alguns em momentos especiais, por muitos duas ou três vezes, ao que se lembra.

Casa habitada por uma figura bela e distante cujos olhos, cinzentos esverdeados e inesquecíveis, apesar de uma aparente severidade, sempre lhe sorriam e por umas mãos de que, estranhamente, não se lembra mas que conhece dos afagos que incrustavam na sua pele. Junto a essa figura uma outra que no seu ar grave, antiquado e bonacheirão tinha, para ela, sempre uma brincadeira escondida que por vezes, tantas vezes, era repetida sempre que a ia buscar à velha estação do Entroncamento e, a não mais de 50km/h, acelerava um pouquinho nas lombas para a fazer gritar de alegria com aquelas barriguinhas ao ar.

Casa de encanto, de memórias, onde, no seu imaginário, se acolhem os vivos que a mimavam e que já não aquecem de ternura as suas mãos tal como a casa onde nunca mais entrou.


HFM - Lisboa, 4 de Novembro de 2007



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