A arquitecta paisagista
Sentou-se. Estava com calor. Encostou a cabeça. Encerrou os olhos.
Estava-se bem ali. Os jardins sempre a tinham atraído. Este particularmente. Os seus verdes – uma paleta que um duende andara a misturar. A frescura. As árvores de dimensões diferenciadas. Os arbustos. E as flores. Estas escolhidas por pessoas diferentes. Não tinha dúvidas. E os pequenos lagos que, aqui e ali, refrescavam os verdes e a refrescavam a si. Quem os teria desenhado? Se pudesse, apenas os faria menos geométricos, mais integrados no relevo do terreno. Havia ainda umas pedras aparentemente mal amontoadas. Só aparentemente. Um olhar mais sólido mostrava que cada pedra fora judiciosamente colocada. Quando ela ali pudesse intervir acrescentaria junto destas pedras uma pequena gruta. Sempre gostara de grutas. Havia muitas na serra onde nascera. Pensando melhor também acrescentaria uma pequena ponte em arco ligando dois daqueles pequenos lagos. Uma pequena ponte onde só crianças pudessem passar. Ou quem se fizesse passar por criança. Pensando ainda melhor também acrescentaria bancos. Não os bancos normais de jardim mas bancos que despontassem da erva ou das pedras e que se casassem com a paisagem envolvente. Deveriam ser vistos só quando as pessoas chegassem junto deles. Nada que distraísse o olhar da beleza que ela encontrava naquele jardim.
Espreguiçou as pernas. O calor era tórrido. Desencostou-se e abriu os olhos.
Na sua frente, como numa cascata, em tons ocre e sobre a poeira e o lixo viu o amalgamado distorcido do bairro de lata em que vivia. Grossas lágrimas juntaram-se ao suor que lhe corria pela cara.
HFM - Lisboa, 10 de Setembro de 2006
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