Do diário
Há momentos em que dentro de mim não sou eu. Outra. Alguém que me fita sem me conhecer. Uma vindoura que não conviveu comigo. Que não foi. Oiço-a e as palavras não são minhas, muito menos os tiques. Quem colocou dentro de mim esta? Porquê assim? No vazio dos dias que se seguem a uma insónia é sempre outra que me atormenta como se a porta tivesse ficado aberta e eu tivesse partido para ir dormir.
Podes-te calar, ao menos? Deixa que os solavancos da vida me adormeçam sem que este eco pertinente ferre os dentes nas minhas dúvidas. Deixa que o dia suceda ao dia sem me instalares a dúvida das horas que restam. Deixa que, por entre a chuva, eu sinta o sol. Deixa que a simplicidade dos néscios invada os gritos da ansiedade. Deixa. Deixa, ao menos, que eu e tu convivamos como se fôssemos uma. Deixa que o sal traga o sabor dos dias de sol e de preguiça. Deixa, deixa que eu te esfole para que de ti só reste a pele acobertando os meus minutos. Deixa, já que eu não consigo deixar que tu existas.
HFM - Lisboa, 31 de Outubro de 2008
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