Do diário
O Tempo e esta fuga desenfreada que faz com que coisas, ainda tão presentes, tenham anos anquilosando os dias. Como podem ter passado, sobre alguns acontecimentos, tantos anos? O que leva a que os dias se sucedam numa acelerada progressão geométrica que perturba as 24 horas de que cada um é composto?
Ele havia o tempo arrastado das tardes de Inverno que passavam lentas entre bebidas quentes, as braseiras e o tempo dos lanches, essa pausa hoje engolida pelas horas encolhidas.
Ele havia o tempo das férias, das tardes quentes da cidade em que os livros, devorados, nos traziam o sabor de uma viagem ou, ainda, os filmes tão ansiadamente esperados transpondo-nos para outras realidades, outras vivências, outros sonhos. Havia ainda as longas tardes quentes passadas no campo, junto à nora, depois das sestas, perto do jardim forrado a laranjeiras. Havia ainda o mês de Agosto e Setembro - 61 longos dias, de mar, de conversas, de afectos, de amores, de longas noites trepidantes, de longas pausas onde se descobriam pessoas, assuntos, olhares.
Hoje a corrida é uma soma em constantes multiplicações. Um conjunto de instantes que "n" incógnitas perseguem e que, a todas, queremos acorrer, como se tivéssemos perdido a sabedoria das escolhas, das hierarquias, até das loucuras quando, a escolha, voluntariamente, era a errada.
O que nos aconteceu? Perdemos o tino? Não seremos capazes de enfrentar as modas, os tiques, os contágios?
Tempo para o Tempo é, ainda, para mim, uma grande máxima de vida mesmo que, conscientemente, saiba que no percurso vou perder muitas descobertas; contraponho, vou saborear, como uma iguaria ou um vinho raro, o prazer da escolha e os "apports" que ela me tiver oferecido.
No Tempo, como nas aguarelas, less is more.
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