Do diário # 17
Os sons avançam na cidade tal como a promessa de chuva. Caminho no cinzento e numa manhã por concretizar. As caras ainda mal humoradas deixam-me a dúvida se será do sono ou do sol que, pressentem, hoje se desfará em chuva.
Só as plantas e as flores continuam impassíveis num diálogo de vida sob a protecção severa das árvores de grande porte. E, se esticarmos os ouvidos, o som dessas vidas abafará em nós o ruído da cidade. Mutações que o espírito acompanha e desenvolve.
Também o vento quis orquestrar esta sinfonia natural. E não é sibilino. Afirma-se imutável nos seus contrastes.
Desabrigada prossigo pois, cá dentro, tudo isto faz sentido. Inóspito? Poderá ser, mas tão natural nos seus múltiplos cambiantes como a âncora a que me agarro e onde se enrola a vida.
E nem esta chuva miudinha me impede de prosseguir, despenteia-me as ideias e activa o passo na circulação do oxigénio.
Matinais vadiagens na cidade e em mim.
Lisboa, 5 de Abril de 2006
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