sexta-feira, outubro 29, 2004

Exposição de Júlio Pomar em Sintra




O seu retrato pintado no quadro Café Posted by Hello

Ontem, finalmente, fui ver a exposição de Júlio Pomar em Sintra. Aconselho-a vivamente embora já só lá vá estar mais uma semana.

Realço alguns desenhos com retratos de pintores, escritores e outros interventores da vida portuguesa, alguns quadros cuja temática me é fortemente cara - Fernando Pessoa, os azulejos, os quadros emblemáticos como o Almoço do Trolha e Resistência e, particularmente, pelo que muito me tocou, o quadro sobre Frieda Kallo.



Hoje em vez de quadros deixo aqui um seu poema que o JL publicou em 20-02-2002. Mas os posts sobre esta exposição vão continuar...


TRATAdo DITO EFEITO


Corria o septuagésimo sexto ano do meu tempo comum
a gosto estava eu d’algarve, feudo e praça
de babélicas línguas convivendo sem atritos:
nenhuma era pestífera ou de fogo. Vagos sinais


não chegavam a calar nas famílias que

ali buscam as distracções do estio.

Foi aqui num deserto com vento, mas em poço



claro, que entrei de eremita, levado
pela incúria nata ou por inércia,
tépido abraço que emascula
quem nele se repousa.
Ou antes e ao invés, por ardil nascido torto, por dentro
do sonolento acordar que adormece
a pouca energia dos velhos.
Não queria perder a minha
imaginação ligação ao mundo
correio que mesmo sabido sem resposta
ao eremita se proíbe
(não fora os sal da traição como temperar os
arrependimentos, que são o vício dos justos?)

No correr dos anos aprendera
que

o menos chato dos entretens, verão, é jogar ao Criador ou
seja
inventar uma lei e mandá-la à vida. Por forma
menos soez: assentar numa necessidade e de seguida
invocar a contrária. Disse me orgulhava.

Para não perder a ligação ao mundo, a memória que
usada parcimoniosamente nos dispensa algum consolo e
mais alento,
muitas vezes li, irmão António, o que escreveste
sobre o que e sai das mãos e tu conheces.
E então vi-te na pele do logo, obrigatória
testemunha a acreditar o asceta nu,
regalando a mútua crença com cilícios e rezas.
Claro que
destes passatempos me dispensava por saber quanto mal
passa
quem vive até as fezes uma fé ou outra.
Do ler-te a pôr-
me
à beira de uns papeis à espera que as palavras se
abstivessem
de me fugir foi
um passo de ladrão, ou jogo de artifício, a finta cansando
uma dona situação menos que remediada com outro
pobre diabo, o diálogo a quem a fala tarda.

Na escrita da poesia, o espaço entre palavras
ou o que separa as linhas e lhes dá respiração,
tudo o que é branco é (mais que o rasto da tinta, rosto do
visível)
quem figura de refém, e fica por marca
das manhas da pintura.

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