quinta-feira, outubro 02, 2008

Do diário


Ericeira, Esplanada da Praia do Sul, 25 de Setº 09



Descobri na minha última ida à praia que as folhas em branco, no final dos livros, são um excelente suporte para estas escritas avulso que o momento fustiga.

De novo, aproveitando as que descobri no livro que ando a ler – uma biografia de Gaudí – estendo os olhos sobre o mar, logo aqui em baixo, e deixo que a água invada as memórias sem grandes diálogos ou interrogações.

Sobre a direita a íngreme ladeira onde sempre revejo a minha mãe. Nos meses de sol, quando saíamos da praia, talvez com o peso dos diabetes, a minha mãe resmungava sempre com a subida e interrogava os céus porque não haveria de haver ali um tapete rolante. Hoje, pernas mais musculadas, a ladeira não me arranha as pernas só a saudade dessa mãe que os deuses levaram precocemente. Aliás nunca a procurei no cemitério, aí só encontro o vazio e o silêncio e dela ressoa ainda, em mim, as suas gargalhadas, a festa da vida e um humor nada português.

Na minha frente o mar, pouco roncão para esta época de equinócio que já se desfaz em Outono. No mar só vejo a criança/adolescente e o seu Verde-Leão dos Mares com que desafiava as ondas em carreirinhas junto às rochas donde, frequentemente saía com grandes arranhões – as medalhas de bom comportamento, como o meu pai lhes chamava. Horas e horas a entrar na água com o primeiro e a sair com o último já que a água fria desta Ericeira nunca me incomodou. Esporadicamente uma saída de dentro de água para vir trincar os mimos que a mãe tinha sempre no seu grande saco e, mesmo nessa altura, colocava-me à sombra do toldo – o sol sobre a pele sempre me fustigou.

À esquerda, o morro; hoje embelezado, melhor destruído pela cisma da construção sobre as arribas e pela erosão do tempo que transformaram a Sala de Visitas num comum miradouro sem os sucessivos patamares em escada sobre o mar; morro, hoje, engaiolado, numa rede que tenta fixar a terra e as pedras e no fundo do qual resolveram colocar umas palmeiras! As palmeiras que importámos como se da nossa flora fossem obra! Morro que as crianças de hoje já não podem escalar como nós o fazíamos!

Por cima o céu, azul e imenso. Infinito. O tecto preferido da minha infância.


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