Do diário
Gosto destas manhãs assim frias, assim desertas quando a cidade respira e o rio se apruma. O som das ruas faz com que os passos tenham sentido e os nervos reservem em nós o toque indelével do imprevisto.
No Chiado as pedras da calçada ressoam ao passado e sou quase capaz de, na sua transparência, descobrir os passos do Eça ou será do Ega, do Aquilino, do Almada e ainda, ao fundo, num esfumado renascentista, a presença de um Pessoa que, do flagrante de litro, me traz as duplicações da sua genialidade. Sei que por aqui também andaram os políticos mas a manhã está calma, deserta, fria, bela na sua estranha cumplicidade e desses, desculpem, mas eu não quero ouvir falar.
É desta cidade que eu gosto, aquela que pertence aos lisboetas e a todos, que o não sendo, a sabem sentir e dela conhecem a luz, o fascínio, os interstícios por onde só andam as silhuetas dos viajantes, dos observadores, dos instáveis.
Não quero a minha cidade cheia de bancários, de colarinhos brancos, de gentes apressadas e sem tempo para olhar e sentir e, muito menos, dos que morrem de tédio e de azedume.
Que sobre Lisboa continue a descer este manto diáfano onde se acolhe a chuva, o frio, o sol e esta imensa onda de luz e vida.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
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