quarta-feira, junho 15, 2005

Conversa de esplanada



Quando cheguei à esplanada que frequento diariamente, quando estou de férias, numa pequena praia de acessos difíceis e por isso ainda um pouco selvagem, encontrei nela, sentado numa mesa ao canto, um velho que nunca ali tinha visto. Há que dizer que ali mais ou menos todos nos conhecemos. Somos sempre os mesmos, tirando em algum domingo, feriado ou naquele mês que deveria ser banido do calendário – Agosto. Cumprimentamo-nos de longe, com um leve baixar de cabeça ou com a salvação. Poucas intimidades ali existem. Aquele é o lugar dos que gostam de silêncio e de se sentarem à mesa consigo próprios. Estranhei aquele novo personagem. Estranhei particularmente a sua idade. Deveria ter pernas de ferro para ter conseguido chegar ali. A única mesa vaga era a que lhe estava ao lado. Sentei-me depois de cumprimentar os presentes e não antes de lhe ter baixado a cabeça. Recebi em troca um sorriso.

Mal acabara de me sentar, ouvi a sua voz dizer-me:

- Bela manhã e que sossego! Nem parece que estamos neste escalavrado país!

Fiz um sorriso anémico e pensei logo, temos o caldo entornado, este é dos que gostam de falar e eu não vim para aqui para manter diálogos. Virei-me ligeiramente na cadeira esperando que ele percebesse que não queria conversas e abri o jornal.

- Ah, o senhor ainda é dos que lê jornais! Desperdiça o seu dinheiro. Quaisquer que sejam as notícias apenas mostram a inoperância de todos os que nos governam e vão sempre dar ao mesmo, à não notícia, à repetição cabal do que já anteriormente foi feito e dito. Encontra aí alguma novidade?

Esbocei um sorriso e tentei continuar mergulhado na leitura.

- Olhe agora para este caso das reformas dos políticos e dos detentores de alguns cargos, acha que isso nos vai levar a algum sítio? – insistiu ele.

Tinha de acabar com aquilo de vez.

- Acho que foi preciso coragem para tomar estas medidas, já é um ponto positivo.

- Mas acha que isso vai levar a algum lado?

- E como quer que eu saiba? Pelo menos, esses senhores vão ter de optar e não vão ficar com tanto do nosso dinheiro.

- Acha? Pois olhe, eu penso que as leis que permitem ter essas reformas ainda não foram alteradas. Essas leis é que têm de ser imediatamente erradicadas.

- Se vamos por aí só lá para as calendas gregas é que se consegue alguma coisa. O importante é que acabem esses escândalos.

- Se o senhor tivesse direito a elas rejeitava-as?

- Eu? Sei lá, eu nem sequer sou reformado!

- Pois olhe, eu se tivesse direito a elas não abdicava delas; e digo-lhe mais, só tenho pena é de não ter muitas, há longo tempo que já não tenho problemas de consciência; por isso só quando as leis forem erradicadas é que as reformas, pensões ou seja lá o que for, poderão ser cortadas.

- Assim não vamos a lado nenhum.

- Vamos, vamos. Sabe meu caro senhor, eu se calhar até sou algum bastardo pois o que não devo ser é português; como lhe disse, neste país, já não tenho problemas de consciência, eu tenho é consciência dos problemas.



Junho de 2005



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