terça-feira, março 08, 2005

Escolhas/Rejeições


Se eu me sentasse sozinha comigo própria, ausente de tudo, por cima de tudo onde esteja incrito o prefixo pre; ali, face a face, eu, a minha consciência e as minhas memórias. Como se estivesse ao espelho - um espelho que me duplicasse tal como sou, não uma imagem invertida. Aí, poderia ousar olhar nos dois sentidos: para trás, para o hoje e pensar-me.

Ausente de todos os pré(s), desfiaria as memórias e talvez conseguisse perceber melhor a sucessão de factos que foi a minha vida. De factos. Mas mais importante ainda, de escolhas. Ou talvez ainda melhor –, de rejeições. Não é isso a escolha?

Depois dessa análise isenta (permitam-me que duvide que alguma vez alguém conseguisse ser isento mesmo sentado consigo próprio num diálogo de vida), o mais importante seria pegar nos factos e nas escolhas ou rejeições que se lhe seguiriam e inverter-lhes a ordem, isto é: escolhi isto, rejeitei isto, então da rejeição faria escolha e da escolha rejeição... abrir-se-iam muitos caminhos, novas escolhas que, se já em nada alteravam a minha vida, pelo menos levar-me-iam por caminhos que poderiam ajudar nas futuras escolhas/rejeições e, seguramente o mais importante, se eu soubesse escrever, que belo romance não dariam – A Alternância das Escolhas/Rejeições!

Se eu me sentasse sozinha e me despojasse deste palimpsesto que sou, talvez a escrita fosse simples e as palavras celebrassem uma aleatória sucessão de escolhas/rejeições onde haveria sempre, por mais escondido que estivesse, um brilho de verdade.

Se ao menos eu conseguisse sentar-me sozinha, despida de mim e desta que me habita, se ao menos a memória me não traísse e os factos fossem lineares, se as ideias regessem a orquestra das palavras que cá dentro giram como num poço da morte, que belo romance eu poderia escrever!



Lisboa, 3 de Março 2005

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