Encore le temps de vivre
beaucoup de mes amis sont venus des nuages
avec soleil et pluie comme simples bagages
(...)
ils ont cette douceur des plus beaux paysages
et la fidélité des oiseaux de passage
Françoise Hardy
Não fora o mar que me pegara. Lá, no meu país, o mar era belo e estendia a minha imaginação. Tão pouco o fora a praia – demasiado plana. O tempo? – era apenas uma caricatura; um cinzento onde, por vezes, caía uma chuvinha fina. Só a água se impunha; a sua temperatura contrastava com tudo o mais – quente! Jean lembrara-me a corrente quente do Golfo. Sim, tinham-me falado dela na superficialidade retórica com que essas coisas nos eram dadas no Liceu. Ali havia a alquimia do laboratório – a experiência!
Jean sorria com os meus comentários que o desarmavam. Tudo para mim era uma novidade. Era uma novidade entrar numa das lojas na alameda que bordejava a praia de Coq-sur-Mer, entrar vestida de uma maneira e sair vestida de calças e blusão de ganga novos; jantar num terraço junto ao mar, comendo mexilhões; percorrer diversos bares onde gente nova despreocupadamente cantava as canções da moda – muito Brel, muito Adamo e, a meu pedido, muito Aznavour. Novidade eram os teus braços e a sensação de liberdade. Novidade era aquele fim-de-semana decidido de improviso na 6ª f. de manhã em Paris.
Sem qualquer esforço de memória, ainda hoje me consigo ver nesse tempo depois de dois longos dias vividos no limite, recrio essa última noite na grande cama do quarto no sótão de um pequeno hotel sobranceiro ao mar. Tinhas acabado de adormecer e eu estava para ali revivendo as experiências desse mês em Paris que culminara com o fim-de-semana passado nessa pequena praia belga – Coq-sur-Mer.
Senti uma lágrima correr-me pela cara. Uma lágrima de felicidade, pensei. Mas um arrepio percorreu-me o corpo. Não, não era. De repente e sem qualquer regret eu começara a tomar consciência de que tudo se tinha acabado. Eram lindas as juras de amor. Os sonhos que traçáramos em conjunto. Eram lindas as perspectivas que tínhamos delineado. Eram lindas mas, ali na cama, no silêncio da noite e daquele céu estrelado por cima do mar do Norte, eu senti a sua irrealidade.
Amanhã regressaríamos a Paris, à tua cidade e, dentro de dois dias, eu regressaria a Lisboa, ao cinzentismo de um país tão diferente do teu. Poder-nos-íamos rever, talvez nos aguentássemos um ano ou dois mas eram mais as coisas que nos separavam que as que nos uniam. Acabara de te conhecer, fora belo mas eu voltaria, acabado o pequeno curso, a uma vida e a um país que nada tinham a ver com o teu. Ficar em Paris ainda era impossível – era menor, sem trabalho, sem referências.
A lágrima parou. Era jovem. O mundo estava à minha frente e eu julgava que ele me pertencia. Havia ainda dois dias para aproveitar e eu ainda não media o tempo por horas mas pela eternidade. Ainda não era o tempo das escolhas.
Enrosquei-me no teu corpo e o barulho das pequenas ondas embalou-me. Adormeci.
hfm
Lisboa, 11 de Março 2005
Etiquetas: Escritos
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